Promotora, que é lésbica, diz que ele ofendeu comunidade LGBTQIA+.
A Justiça aceitou no início deste ano a denúncia do Ministério Público (MP) contra um advogado acusado de homofobia contra uma promotora durante o julgamento de policiais militares, em 2019, em São Paulo. Desse modo, Celso Machado Vendramini se tornou réu no processo que apura a acusação de discriminação homofóbica dirigida a Cláudia Ferreira Mac Dowell.
A sentença foi divulgada na sexta-feira (8) pela juíza Ana Carolina Munhoz de Almeida. “Recebo a denúncia, a qual descreve fatos em tese típicos e vem lastreada em elementos suficientes de convicção”, escreveu a juíza Ana Carolina.
Nesta segunda-feira (11), a promotora disse que “homotransfobia é crime, e ninguém está acima da lei”. Celso não quis comentar o assunto, mas seu advogado, Ronaldo Lacava, falou à reportagem que “esse processo é totalmente esdrúxulo” e que Cláudia é “uma mentirosa que usa de ardis e vitimismo para atacar quem não lhe agrada”.
De acordo com o também promotor Gilberto Ramos de Oliveira Júnior, responsável pela denúncia, Celso fez um discurso de ódio contra a comunidade LGBTQIA+ e ofendeu a dignidade e o decoro de Cláudia no júri popular realizado nos dias 6 e 7 de novembro de 2019, no Fórum Criminal da Barra Funda, Zona Oeste da capital.
Casada com uma mulher há seis anos, a promotora é conhecida publicamente por sua luta em defesa da comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queers, intersexuais e assexuais, entre outros. Em junho daquele ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia criminalizado a homofobia e a transfobia. Para isso, os ministros consideraram que atos preconceituosos contra homossexuais e transexuais devem ser enquadrados no crime de racismo.
Ofensas à advogada
Segundo a denúncia, encaminhada em dezembro de 2020 à Justiça, a audiência foi gravada e a transcrição feita por peritos oficiais mostrou que o advogado falou sobre assuntos que não diziam respeito ao caso para ofender diretamente a promotora, que é lésbica. Veja, abaixo, frases ditas por ele:
- “Lá não tem passeata gay [na] Rússia, não.”
- “Filho usando azul… filha usando cor-de-rosa… depois se o filho quiser mudar pra cor-de-rosa o problema é dele… se a mulher quiser mudar depois para azul, o problema é dela.”
- “Não sou contra segmento LGBT em hipótese alguma […] cada um respeitando seu espaço.”
- “Eu digo assim… às vezes brincando com os colegas… pessoal… vou virar homossexual… depois de veio… 65 anos.”
- “Hoje, parece que ser hétero é pecado.”
Na ocasião, Celso defendia dois policiais militares que estavam sendo acusados por Cláudia de terem assassinado dois suspeitos de roubar um veículo. Uma testemunha disse que viu os agentes da Polícia Militar (PM) atirando nos homens.
Os jurados acabaram inocentando os clientes do advogado dos crimes de homicídios. Mas, durante o julgamento, a promotora disse que, em vários momentos Celso, fez comentários ofensivos ao movimento LGBTQIA+, sem nenhum motivo aparente. “Não tinha nada a ver com o caso. O que ele falou foi unicamente para me atingir”, afirmou Cláudia à TV Globo em 2019.
A promotora levou as declarações do advogado ao MP e à associação paulista que representa a categoria. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Secretaria de Justiça em São Paulo abriram procedimentos para apurar o caso.
Denúncia do MP
Em 10 de dezembro de 2020, o promotor Gilberto Ramos de Oliveira Júnior decidiu denunciar Celso à Justiça por entender que a fala dele, além de desrespeitar a comunidade LGBTQIA+, ofendeu a promotora. “Ação [foi] claramente de cunho segregacionista, ofendendo direitos e liberdades fundamentais”, escreveu Gilberto na acusação.
De acordo com o promotor, o advogado, com o intuito claro de ofender a promotora, ainda fez menção à aliança que ela usava, dizendo acreditar que a família deveria ser preservada. “É certo que Celso ofendeu a dignidade e o decoro da promotora de Justiça que atua perante o egrégio Tribunal do Júri há 17 anos, cuja opção [orientação] sexual é pública e notória, por todos conhecida”, afirmou Gilberto na denúncia.
O que dizem os citados
Em dezembro de 2020, Cláudia afirmou que as violações contra gays aumentaram na pandemia e que eles não devem ficar calados. “O que reforça ainda mais o meu senso de responsabilidade com as violações diárias que a população LGBTI+ sofre anonimamente e que pioraram muito com a pandemia”, disse a promotora. “Não podemos ficar calados, nem parados.”
Nesta segunda, o advogado Ronaldo, que defende Celso, falou à reportagem que, durante o júri dos PMs em 2019, seu cliente quis mostrar aos jurados que as pessoas de uma linha ideológica e política mais à esquerda são, segundo ele, contra a Polícia Militar no Brasil. Diferentemente do que, no seu entender, ocorre na Rússia.
“Como exemplo, ele citou que na Rússia não tem passeata gay, mas os gays adoram a esquerda e [o presidente russo Vladimir] Putin”, disse Ronaldo. “Para convencer os jurados e absolver os PMs, nada mais justo que ele utilize desse movimento gay, ou de qualquer outro que achar conveniente”. Ainda de acordo com o advogado Ronaldo, Celso, “em momento algum incitou quem quer que fosse a tomar qualquer medida contrária ou discriminatória a esse movimento ou qualquer homossexual”.
Questionado no final do ano passado, Celso disse estar “triste” com a acusação de que foi homofóbico contra a promotora, mas “tranquilo” por acreditar ter “certeza que o resultado vai ser positivo do meu lado”. Ele afirmou ainda que, à época, não sabia que da orientação sexual de Cláudia.
O advogado disse que contratou um perito particular, que fez uma transcrição diferente da apresentada na denúncia do MP e que ela mostra que ele é inocente das acusações. “A minha defesa é a mídia. É tudo mentira o que ela falou”, falou Celso. “Essa denúncia do MP é simplesmente o corporativismo de um promotor com o outro. Não digo que o Ministério Público faz corporativismos.”
Ele alegou: “Em nenhum momento eu dirigi a palavra a promotora. E não atingi a comunidade LGBT. Se meus filhos fossem homossexuais, eu aceitaria tranquilamente”. “Distorceram tudo o que eu falei. Agora, ela está se vingando de mim porque havia perdido júris anteriores de outros policiais militares.”
O advogado afirmou ainda que fez uma representação contra Cláudia no Conselho Nacional do Ministério Público em Brasília. “Ela distorceu as palavras. Eu entendo que essa senhora está com ideologia política e de gênero”, argumentou Celso. “No plenário do júri eu tenho liberdade de expressão. E isso é de lei, é garantido às partes.”