Bolsonaro aciona Moro para ouvir porteiro que o associou a suspeito de morte de Marielle

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O presidente afirmou não saber quem é o porteiro citado em reportagem da TV Globo nesta terça-feira.

Por BBC NEWS BRASIL

Irritado, o presidente Jair Bolsonaro disse que está conversando com o Ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) para que a Polícia Federal colha um novo depoimento do porteiro que associou o presidente ao principal suspeito do assassinato da vereadora Marielle Franco em 14 de março de 2018.

“Estou conversando com o ministro da Justiça para a gente tomar, via Polícia Federal, um novo depoimento desse porteiro pela PF para esclarecer de vez esse fato, de modo que esse fantasma que querem colocar no meu colo como possível mentor da morte de Marielle seja enterrado de vez”, disse Bolsonaro em Riade, capital da Arábia Saudita.

O presidente afirmou não saber quem é o porteiro citado em reportagem da TV Globo nesta terça-feira.

Segundo a reportagem do Jornal Nacional, um porteiro do condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, disse em depoimento à Polícia Civil do Rio de Janeiro que, no dia do assassinato, um dos suspeitos se dirigiu até o conjunto de casas onde vive o presidente, horas antes do crime.

Ao porteiro, o ex-policial-militar Élcio Vieira de Queiroz teria dito que iria à casa de número 58 — que pertence ao presidente.

Ao recebê-lo na guarita, o porteiro teria ligado na casa 58 para confirmar se o visitante poderia entrar, e alguém na residência autorizou a entrada do veículo, um Renault Logan. Em dois depoimentos à Polícia Civil do RJ, o porteiro disse ter reconhecido a voz de quem atendeu como sendo a do “Seu Jair”, segundo o Jornal Nacional.

Uma vez dentro do condomínio, ele não foi à casa de Bolsonaro, segundo a testemunha: ele dirigiu até o imóvel 66. É onde mora Ronnie Lessa, acusado de fazer os disparos que mataram Marielle e Anderson.

“O porteiro ou se equivocou, ou não leu o que assinou. Pode o delegado ter escrito o que bem entendeu e o porteiro, uma pessoa humilde, ter assinado embaixo”, disse Bolsonaro a jornalistas na Arábia Saudita.

“Nós sabemos que (porteiros) são pessoas humildes, que quando são tomadas depoimento, sempre ficam preocupadas com algo. O porteiro está sendo usado pelo delegado da Polícia Civil, que segue ordens do Sr. Witzel governador.”

O advogado do Presidente da República, Frederick Wassef, disse que é impossível Bolsonaro ter falado com Élcio ao interfone — o presidente estaria em Brasília no dia da morte de Marielle, conforme registro de votações da Câmara dos Deputados e vídeos postados por Bolsonaro nas redes sociais.

Naquele dia, Bolsonaro também postou vídeos em suas redes sociais. Nas gravações, ele aparece dentro de seu antigo gabinete de deputado federal, na Câmara, e em outro local do Congresso, de acordo com a reportagem do JN.

Pessoas ligadas à investigação disseram ao Jornal Nacional que Élcio e Ronnie deixaram o condomínio minutos depois da entrada do primeiro; mas estavam no carro de Ronnie. Em seguida, embarcaram no carro usado no crime num local próximo ao condomínio, ainda segundo investigações.

Durante a entrevista a jornalistas, Bolsonaro acusou o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, de tramar para destruir sua reputação.

“No dia 9 de outubro, às 21h, eu estava no Clube Naval do Rio de Janeiro quando chegou o governador Witzel. Foi uma surpresa para os dois. Ele chegou perto de mim e falou o seguinte: “O processo está no Supremo.” Perguntei que processo. “O processo da Marielle. O porteiro citou seu nome.”, disse o presidente.

Ele continuou: “Ou seja: Witzel sabia do processo que estava em segredo de justiça e comentou comigo. No meu entendimento, o Sr. Witzel estava conduzindo o processo com o delegado da polícia civil para tentar me incriminar ou ao menos manchar o meu nome com esta falsa acusação.”

O presidente da república disse que o governador do Rio de Janeiro era uma pessoa desconhecida que teria usado a popularidade da família Bolsonaro para se eleger.

“Colou no Flávio Bolsonaro e em mim para poder se eleger governador do Rio de Janeiro. Depois de eleito, elegeu Flavio e eu como inimigos.”

“Por que ele tem essa tara em cima de mim e do Flavio? Porque ele quer destriuir a minha reputacao atacando o que de mais sagrado eu tenho que é o combate à corrupção e a honestidade.”

Em live, Bolsonaro ataca Globo, Witzel e Polícia Civil do Rio

Pouco depois da divulgação da reportagem, o presidente da República transmitiu um vídeo ao vivo em sua conta no Facebook. A transmissão foi ao ar pouco antes das 22h em Brasília, ou cerca de 4h da manhã em Riade, na Arábia Saudita, onde Bolsonaro se encontra.

Na transmissão, Bolsonaro acusou Witzel de ter vazado as informações para a TV Globo — o processo corre em sigilo.

“Digo mais, seu governador Witzel… Também diz aqui na (revista) Veja que o senhor teria vazado esse processo, que está em segredo de Justiça, para a Globo. O senhor só se elegeu governador porque o senhor ficou o tempo todo colado com o Flávio Bolsonaro, meu filho. Ao chegar ao governo, a primeira coisa que o senhor fez foi transformar-se inimigo dele”, disse Bolsonaro na transmissão.

A transmissão durou cerca de 20 minutos. Ao fim, o presidente pediu desculpas por ter se exaltado.

“Qual é a intenção disso tudo? A intenção é sempre a mesma: o tempo todo ficam em cima da minha vida, dos meus filhos, quem está próximo de mim. O processo corre em segredo de justiça e de repente vaza. Vaza pra quem? Pra Globo. É sempre a Globo dar o furo (de reportagem)!”, disse em outro momento o presidente.

“TV Globo, vocês tiveram acesso a um processo sigiloso. Vocês tem que ser investigados no tocante a isso”, disse.

O presidente também acusou a Polícia Civil do Rio de ter orquestrado uma “farsa” e disse acreditar que o porteiro pode ter sido levado a assinar algo que não correspondia ao seu verdadeiro depoimento. “Ou o porteiro mentiu, ou induziram o porteiro a cometer o falso testemunho, ou escreveram algo que o porteiro depois assinou embaixo (sem checar o teor)”, disse.

Em nota, divulgada ontem, o governandor do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, afirmou não transitar “no terreno da ilegalidade”, negou ter vazado qualquer informação da investigação à TV Globo e disse ter sido atacado injustamente.

“Lamento profundamente a manifestação intempestiva do presidente Jair Bolsonaro. Ressalto que jamais houve qualquer tipo de interferência política nas investigações conduzidas pelo Ministério Público e a cargo da Polícia Civil.”

E acrescentou: “Não farei como fizeram comigo, prejulgar e condenar sem provas”.

Caso pode subir para o STF

A menção ao nome de Bolsonaro pode fazer com que a investigação sobre as mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes deixe a Justiça do Estado do Rio e vá para o Supremo Tribunal Federal (STF). Isto porque o presidente da República possui o chamado “foro privilegiado”.

Neste caso, quem tocaria a investigação seria a Procuradoria-Geral da República (PGR), hoje comandada por Augusto Aras.

Os investigadores do Ministério Público do Rio que cuidam do caso chegaram a se encontrar com o presidente do STF, o ministro Dias Toffoli, para saber se deveriam continuar nas investigações ou se o caso iria para Brasília. Toffoli ainda não respondeu, segundo a apuração do Jornal Nacional.

A nota emitida pelo governador Wilson Witzel na íntegra

“Lamento profundamente a manifestação intempestiva do presidente Jair Bolsonaro. Ressalto que jamais houve qualquer tipo de interferência política nas investigações conduzidas pelo Ministério Público e a cargo da Polícia Civil. Em meu governo as instituições funcionam plenamente e o respeito à lei rege todas as nossas ações. Não transitamos no terreno da ilegalidade, não compactuo com vazamentos à imprensa.

Não farei como fizeram comigo, prejulgar e condenar sem provas. Hoje, fui atacado injustamente. Ainda assim, defenderei, como fiz durante os anos em que exerci a Magistratura, o equilíbrio e o bom senso nas relações pessoais e institucionais. Fui eleito sob a bandeira da ética, da moralidade e do combate à corrupção. E deste caminho jamais me afastarei.”

(Colaboraram André Shalders e Mariana Alvim, da BBC News Brasil em Brasília e em São Paulo)

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