Números mais recentes são de 2015. Com a crise e o aumento do desemprego, os índices podem ser maiores.
Elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o ‘Texto para Discussão Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil‘ aponta que, em 2015, o país tinha 101.854 pessoas em situação de rua.
Só na cidade de São Paulo, um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) contabilizou 15.905 pessoas em situação de rua no ano de 2015.
Com o aumento do desemprego, que atinge atualmente 13,7 milhões de brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e com a crise do país, é possível que o número de pessoas em situação de rua em São Paulo e em outras cidades já seja bem maior.
Além disso, situações como a queda do edifício Wilton Paes de Almeida, onde havia uma ocupação, mostram a urgência de se debater o déficit habitacional da cidade de São Paulo.
Quando o único teto é uma barraca
Victor Vieira de Araújo Arguelho vive numa barraca com a esposa, os dois filhos e o irmão, no centro de São Paulo. O irmão de Victor diz que, na maioria das vezes, os cinco dormem no mesmo colchão. “Estamos precisando de uma barraca maior, ou até mesmo mais uma barraca para eu e o filho dele dormirmos. Assim, ele e a esposa dormem mais sossegados”.
Victor tem 23 anos e veio do Mato Grosso do Sul com 12 anos de idade. O objetivo da vinda é similar ao de grande parte dos brasileiros que se deslocam até São Paulo: conseguir um emprego e ter melhores condições de vida.
Um estudo realizado pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) aponta que 71% da população em situação de rua paulistana é composta por migrantes, vindos do interior de São Paulo ou de outros estados.
O fato é que Victor não conseguiu melhores condições de vida. Depois de morar embaixo do viaduto Tiradentes e em sete ocupações, resolveu ir com a família para a região próxima ao Theatro Municipal. “Viver em ocupação é difícil. Nesta última em que estávamos morando, eu fiquei sabendo que eles iriam nos despejar. O jeito foi voltar para a rua”.
Na rua, além da carência de recursos, a família enfrenta um problema comum às pessoas em situação de rua: a exclusão social. “Sabe como eu me sinto aqui? É como se fosse um zoológico: as pessoas passam, tiram fotos, dão comida. Acho que todos vendo a minha situação e da minha família poderiam ter mais respeito”, desabafa Victor.
Esse é o único momento da conversa em que o rapaz, muito falante e talvez até hiperativo, mostra-se cabisbaixo e continua o diálogo com os olhos voltados para o chão. “As pessoas poderiam ajudar com um abraço, uma conversa, dando atenção. Elas criticam sem saber de onde viemos e como as pessoas que estão na rua se sentem. Muita gente que vive na rua tem depressão”.
Para arranjar emprego, o rapaz enfrenta dificuldades por ter tido pouco acesso à educação. Victor estudou apenas até o sexto ano do Ensino Fundamental (antiga quinta série), mas não sabe ler e nem escrever. “Eu demoro uns cinco minutos para conseguir ler”, explica, ao apontar para uma placa de trânsito. “É o tempo de eu conseguir juntar as letras, mas eu também vou treinando o abecedário”.
Além das doações que a família recebe das pessoas que passam, Victor vende balas na rua e diz ganhar cerca de R$ 200 por mês. “Sei que irei escutar muitos ‘nãos’ das pessoas, mas a gente tem que fazer alguma coisa para ganhar dinheiro”.
A motivação de Victor para continuar a busca por uma moradia são os filhos. “Não quero ver meus filhos jogados na rua, sem saberem ler e escrever. É uma situação difícil e a nossa mente não para, por conta dessas preocupações”.
Para não dormirem nas ruas, famílias procuram ocupações
Com a crise econômica que o país enfrenta e a alta do desemprego, muitas famílias não têm condições de pagar os altos aluguéis cobrados em cidades como São Paulo. E para não viverem nas ruas optam por prédios ocupados. Nestes espaços, elas se sentem mais seguras, por terem um teto e algum grau (normalmente mínimo) de infraestrutura, como eletricidade.
Apesar de apresentarem condições melhores do que as ruas, esses prédios apresentam os seus próprios perigos, como o risco elevado de panes elétricas, já que eles não recebem a devida manutenção, e até mesmo o risco de desabamento. O caso do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, em São Paulo, ilustra bem isso. O prédio foi afetado por um incêndio e desabou no dia 1º de maio, deixando mortos e feridos. 169 famílias viviam no local.
Suely Aparecida Ramirez, de 53 anos, era uma das moradoras do edifício. Ela conta que viveu lá por cinco anos e que, para conseguir pagar o aluguel cobrado no espaço e sobreviver, ela vendia balas e amendoim nas ruas. Na maioria dos meses, o valor conseguido com essas vendas não chegava a nem mesmo um salário mínimo.
Além disso, Suely diz que ela e outras pessoas sofriam humilhações e muitas delas eram despejadas por não terem o dinheiro da contribuição.
“Eu pagava R$ 200 e tenho provas disso”, diz ao fazer menção às pessoas que não moravam no prédio e que estão acampadas junto às vítimas do desabamento no Largo do Paissandu.
“Tem muita gente se aproveitando da situação e querendo receber auxílio dizendo que morava no prédio”. Ela diz que receberá um auxílio de R$ 1200 da prefeitura, além de uma bolsa aluguel mensal no valor de R$ 400 para alugar uma moradia temporária.
De acordo com ela, um cadastro dos moradores que viviam no edifício que desabou foi feito há dois meses.
“Agora estou aqui esperando para poder arrumar um quartinho pra mim”, diz, sentada sozinha no banco do ponto de ônibus. “O que eu queria agora mesmo era uma casa para eu e minha filha morarmos tranquilas”. Hoje a filha dela, de 14 anos, vive com a madrinha.
Francisca Santos Silva, 41, tem o mesmo sonho de Suely: ter a própria casa. Sentada num balde em meio à calçada com alguns pertences que havia ganhado, ela também é uma das vítimas do desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida.
“Eu, meus cinco filhos, dois sobrinhos e mais a nossa cachorra estávamos dormindo e não percebemos o incêndio. Foi quando meu marido estava numa avenida próxima e viu que o prédio estava pegando fogo”, conta.
O marido de Francisca trabalha como carroceiro e estava voltando para o prédio momentos antes de o fogo se alastrar. Não tão longe do edifício, Francisca diz que o marido percebeu que havia fumaça saindo do prédio. “Ele largou a carroça no meio da avenida e correu. Arrombou a porta do nosso cômodo e me acordou.”
Em relação aos pertences, Francisca diz que não teve tempo de pegar nada. “Não consegui pegar nem meus documentos. Quando meu marido me acordou, a cama do meu filho mais velho já estava pegando fogo. Foi tudo muito rápido”.
Apesar de todos da família terem sobrevivido, Francisca diz que o trauma ficará para sempre. Além disso, ela conta que a convivência no edifício era muito boa entre os vizinhos. “Às vezes um vizinho brigava com o outro, mas todos estavam juntos. No natal, e em outras datas comemorativas, dividíamos a comida. Será difícil daqui pra frente já que todos vão se separar”, desabafa.
Ela conta que não tem noção da renda da família, mas afirma que é menos do que um salário mínimo e que há muitos gastos diários com os filhos. “A gente gasta com fralda, leite, mistura. Tem também os gastos com os lanches dos meninos que estão na escola”.
A família dela, assim como Suely, irá receber o auxílio da prefeitura, mas Francisca diz que o que ela queria mesmo era um espaço pra chamar de seu. “Queria estar no meu cantinho, sossegada e em paz”.
Aviso: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião deste site. É vetada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros, sendo passível de retirada, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema proposto.
Tem uma sugestão de reportagem? Nos envie através do WhatsApp (19) 99861-7717.