Nesta semana, um menino de 12 anos confessou ter matado a amiga de 9, mas caso ainda é investigado. ‘Se ficar comprovado, é algo visto a cada 10 anos’, diz psiquiatra.
Por Marina Pinhoni, G1 SP — São Paulo
Crianças com um quadro mental chamado transtorno de conduta podem cometer crimes violentos, mas ocorrências são raras, segundo especialistas. Na maioria dos casos, os sintomas do transtorno característico da infância e adolescência são mais brandos e podem até ser completamente revertidos na idade adulta.
Nesta semana, o assassinato da menina Raíssa Eloá Caparelli Dadona, de 9 anos, chocou pela brutalidade. A menina foi encontrada amarrada em uma árvore em um parque na Zona Norte de São Paulo com fortes marcas de agressão.
Um amigo de Raíssa, de 12 anos, confessou ter cometido o crime e foi levado para uma unidade da Fundação Casa, mas o caso ainda está sendo investigado e pontos ainda não foram esclarecidos. O adolescente chegou a dar três versões para a polícia. Em uma delas, diz ter agido sob ameaça de um homem tatuado que teria usando uma faca para coagi-lo.
Mesmo que seja confirmado que ele foi o autor sozinho do crime, as psiquiatras destacam que não é possível diagnosticar se o adolescente possui algum transtorno mental sem uma avaliação direta e detalhada, que inclui investigação de suas relações sociais.
“A gente tem que estudar a história de vida desse indivíduo. Esse diagnóstico é longitudinal. É preciso conversar com os pais, conversar na escola, com colegas. Acompanhar esse indivíduo”, afirma afirma a psiquiatra forense Alcina Barros.
Crianças e adolescentes não podem ser diagnosticados com psicopatia, que é um transtorno grave de personalidade só determinada pelos médicos após os 18 anos.
“Não podemos rotular uma criança como psicopata. Traços de psicopatia podem estar presentes na infância, mas ela só é diagnosticada na fase adulta. A psicopatia partilha algumas características com o transtorno de conduta, mas o transtorno pode ser revertido. Com a personalidade amadurecendo, ou passando por tratamento, ela pode ficar bem e ser um adulto ajustado. A psicopatia não tem cura”, afirma Barros.
Segundo a psiquiatra Denise Gobo, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), uma característica comum em jovens com transtorno de conduta é a violação regras.
“Pode não obedecer aos pais, faltar à aula com frequência, fugir de casa, depredar patrimônio. Essas crianças também podem ser sedutoras e mentirem bastante para não sofrerem punições. Algumas apresentam uma falta de empatia em relação ao sofrimento do outro”, explica.
Segundo as especialistas, de uma maneira geral, o transtorno de conduta se apresenta com sintomas menos graves. Casos de violência extrema são raros.
“A prevalência geral de transtorno de conduta na população varia de 2 a 10%. Tem livros que falam em média de 4%. Mas a maioria dos casos tem quadro no grau leve”, diz Gobo.
De acordo com Barros, fatores genéticos e sociais podem influenciar a ocorrência do transtorno, mas quanto mais precocemente aparece, maior a influência genética.
“Casos com atitudes extremas de violências são bem mais raros. Uma criança de 12 anos fazer algo como fez, se ficar comprovado, é algo visto a cada 10 anos”, diz.
Gobo afirma que abuso, negligência ou bullying podem contribuir para desenvolvimento dos sintomas. “Esse comportamento da criança tem que ser avaliado em todos os ciclos sociais”, afirma.
As médicas dizem ainda que atos isolados de violência também podem ser motivados por outros quadros, como por exemplo um surto psicótico.
Sinais de alerta
“O transtorno de conduta, assim como outros transtornos mentais, tem níveis de gravidade. A característica mais grave que deve acender o sinal de alerta é a insensibilidade e frieza emocional. Crianças e adolescentes brigarem, desafiarem professor, fugirem, é uma coisa que acontece, mas a falta de empatia é algo mais grave”, diz Barros.
Outro ponto a que Gobo chama a atenção é para a tendência de colocar outras crianças em situações de risco ou praticar atos de crueldade e maus tratos a animais.
“A criança dá sinais disso. Não é uma coisa que aparece de um dia para o outro. Quando o transtorno é muito grave, quando começa com menos de 10 anos e já com características de judiar dos animais, judiar de outras crianças, aí já fala sobre um mau prognóstico. É mais difícil o tratamento”.