Desde alimentação e água racionadas até falta de itens de higiene básica, detento relata que ele e companheiros estão ‘apenas sobrevivendo’. Centro de Detenção Provisória foi cenário da fuga de mais de 500 detentos em março.
“Por mais uma vez tentamos chegar até você aí do lado de fora destes muros e grades aonde nos encontramos presos, desinformados, sitiados, oprimidos e até mesmo esquecidos, para tentar informar-lhes e pedir socorro”, diz o início da carta de um dos detentos do Centro de Progressão de Pena (CPP) de Mongaguá, no litoral de São Paulo.
A carta, datada da última quinta-feira (2), foi enviada a uma parente do detento, que prefere que os dois não sejam identificados por medo de represálias. O documento relata a situação precária do CPP. “Todos aqui sabem que cometeram algum tipo de crime contra a sociedade, e não negamos isto, tanto que estamos aqui pagando pelos nossos erros”, diz um trecho do manuscrito.
De acordo com a parente que recebeu a carta diz que não vê o detento desde janeiro. “Não consigo visitá-lo, pois estão de castigo”, diz. O ‘castigo’ teria relação com a fuga de 563 detentos no dia 16 de março. “Não estão recebendo o ‘jumbo’, que são encomendas enviadas pelas famílias, com produtos básicos de higiene e alimentos.”
A falta do recebimento destas encomendas das famílias é relatada na carta. A primeira refeição, de acordo com o autor, acontece às 5h, com um pão e uma caneca de café. “Nosso almoço ao meio dia não chega a 350 gramas e, à tarde, às 16h, a mesma coisa. Após isto, vamos comer apenas no outro dia Às 5h.”
A carta manuscrita denuncia também a falta de higiene e condições básicas de sobrevivência. “Nossos banheiros são precários, com vasos totalmente quebrados e entupidos […]. Como a água é racionada, temos que guardar em garrafas para usar no decorrer do dia. É uma situação insuportável para qualquer ser humano.”
“[As pessoas doentes] estão entre nós, fracas, sem atendimento necessário e sem medicações, alguns com tuberculose, sarna humana, febres e resfriados que nunca se curam”, diz. Até o momento, nenhum caso suspeito ou confirmado de Covid-19 foi registrado na unidade.
SAP nega más condições
Em nota, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) afirmou que as informações não procedem. Segundo a SAP, o Centro de Progressão Penitenciária (CPP) de Mongaguá serve três refeições por dia aos reeducandos, com uma dieta balanceada. Todo o processo, desde o recebimento dos produtos, preparo e a distribuição de refeições é minuciosamente acompanhado, sendo ainda atestada a qualidade e a quantidade fornecida antes do encaminhamento aos presos.
Quanto ao fornecimento de água, a SAP diz que todas as unidades prisionais que compõem o sistema, seguem os padrões de uso racional dos recursos hídricos justamente para garantir o abastecimento para consumo, banho, higienização, limpeza das instalações, lavagens de roupas, entre outros.
Em 16 de março, quando foram registrados atos de insubordinação e depredação no local, constatou-se a subtração de produtos de limpeza. Ainda assim, a SAP diz que a unidade continuou fornecendo materiais aos presos, tendo em vista que dispunha de estoque em outros ambientes preservados.
A pasta destaca ainda que a unidade conta com um setor de saúde pronto para atendimento aos reeducandos que buscam assistência. Quando a necessidade recair sobre um atendimento mais complexo, os presos são encaminhados até unidades de saúde do município e região, ou ao Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário.
Atualmente estão sendo adotadas medidas para impedir a disseminação do novo coronavírus e não há nenhum custodiado no sistema penitenciário infectado. A unidade tem, hoje, 2.200 presos. Foram recapturados, desde o dia 16 de março, 261 reeducandos, que perderão o direito ao regime semiaberto, regredindo ao fechado.
As unidades de regime semiaberto, como é o caso do CPP de Mongaguá, não dispõem de vigilância, nem de altas muralhas. A permanência do preso nesse regime se dá mais por autodisciplina e autorresponsabilidade do que por mecanismos de contenção contra a evasão.
Fuga
Mais de 500 detentos fugiram no início da noite do dia 16 do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) Dr Rubens Aleixo Sendin, em Mongaguá, após o cancelamento das ‘saidinhas’ por conta do coronavírus.
O CPP de Mongaguá fica no Balneário Arara Vermelha e tem capacidade para receber 1.640 presos. A penitenciária funciona no regime semiaberto e presos podem trabalhar durante o dia e voltar a unidade prisional para dormir na cela à noite. Os presos fizeram funcionários reféns na portaria do CPP e, em seguida, fugiram em massa do local. Os oito reféns foram posteriormente liberados.