Detentos do Centro de Ressocialização Masculino cumprem pena com trabalho e montam até grupo de estudos em Rio Claro, SP

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Unidade abriga atualmente 85 reeducandos; 30 deles prestaram o Enem para pessoas privadas de liberdade (PPL) no ano passado e 18 tiraram notas acima da média nacional.

Por Fabio Rodrigues, G1 São Carlos e Araraquara

No Centro de Ressocialização Masculino de Rio Claro (SP), trabalhar e estudar não são opções. Para cumprir pena no local, o reeducando deve aceitar essas condições. Muitos aproveitam a oportunidade para concluir o ensino médio. A conquista mais recente é um grupo de estudos criado na unidade que atualmente abriga 85 detentos.

A ideia de voltar a estudar atraiu 30 reeducandos que se inscreveram no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019 para pessoas privadas de liberdade (PPL). Segundo o Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 46 mil candidatos cumprindo pena em unidades prisionais ou de ressocialização em 25 estados e no Distrito Federal se inscreveram para as provas.

Dos 30 candidatos do CR Masculino de Rio Claro, 18 tiraram notas acima da média nacional. Por enquanto, nenhum deles manifestou desejo de se matricular em alguma universidade, mas os resultados obtidos pelo grupo surpreenderam a todos na unidade. Para o diretor geral do CR, Márcio Manoel dos Santos, é importante que o reeducando aproveite da melhor maneira possível o tempo em que cumpre pena.

Incentivo

Quando os detentos levaram a ideia de criar um grupo de estudos, o diretor autorizou que eles se reunissem às sextas-feiras das 18h30 às 20h30 e permitiu a entrada de materiais na unidade para auxiliar no aprendizado.

Um dos idealizadores do grupo é o ex-funcionário público Carlos Roberto Garcia, de 52 anos, preso na unidade desde 2017 pelo crime de peculato (desvio de dinheiro praticado por servidor público).

Formado em administração pública e contabilidade, ele ajudou os companheiros com matemática. Um outro reeducando com doutorado em filosofia, que não está mais na unidade, auxiliou na área de humanas, enquanto um engenheiro civil ajudou com química e física.

O grupo, que teve início em julho do ano passado durante as férias escolares, começou a se reunir às segundas, quartas e sextas-feiras. Quando as aulas foram retomadas, os encontros ficaram restritos às sextas. Até a prova do Enem, foram 33 encontros.

Com o apoio do diretor e dois professores da Escola Estadual Barão de Piracicaba que lecionam no período noturno no CR, os detentos tiveram acesso a provas do Enem de anos anteriores, além de jornais e revistas para se manterem atualizados.

“Durante a semana eu reunia esse material, fazia pequenas apostilas de cada disciplina e pegava um título para a redação. Os colegas se reuniam nos alojamentos, debatiam e no dia da nossa reunião já vinham com as respostas. Aí a gente discutia como é que conseguiram chegar a aquele resultado”, explicou Garcia, responsável pela biblioteca da unidade cujo acervo reúne cerca de 4 mil livros.

Segundo ele, foram feitas 33 apostilas de exercícios e uma média de 60 redações. “Com essa busca de informação, tivemos o maior índice de aprovação aqui no CR: 60%. Quem não passou, ficou muito próximo. Isso motivou até quem não entrou no grupo, pois viu que funcionou, que deu resultado nas notas. Tem muita gente querendo fazer o ano que vem.”

De volta aos estudos

Preso pelo crime de tortura e no CR há um ano e meio, o reeducando Fátimo Pedroso Ortiz, de 38 anos, participou do grupo e ficou animado com os resultados.

Ele, que chegou a cursar gestão de segurança durante seis meses quando estava em liberdade, prestou o Enem pela primeira vez.

“Foi bom dividir ideias porque aqui tem pessoas de outras áreas. O conhecimento de um acaba ajudando o outro. Eu gosto bastante de história e tenho mais dificuldade em matemática. No Enem, o desafio é a redação, mas a gente se preparou”, disse Ortiz, que trabalha no setor administrativo do CR.

Divorciado e pai de dois filhos (um menino de 4 anos e uma adolescente de 16), ele disse que aconselha a jovem a manter os estudos. “Ela gosta e o caminho é esse. Quando eu sair, pretendo cursar direito”, afirmou. Enquanto cumpre pena, ele divide o tempo entre trabalho e livros que retira na biblioteca. História e ficção são os temas preferidos.

Ensino médio

O operador de máquinas Rafael Luis Ferreira dos Santos, de 30 anos, chegou ao CR há um ano e meio para cumprir pena por tráfico de drogas. Preso pela primeira vez, ele contou que concluiu o ensino médio dentro unidade.

Foi após uma promessa que fez ao filho de 11 anos com quem se comunica por meio de cartas que ele decidiu focar nos estudos e prestar o Enem. “Prometi que se ele tirasse boas notas na escola eu me empenharia aqui. E ele melhorou”, disse.

Santos também se surpreendeu com o próprio desempenho no grupo de estudos e achou que foi melhor do que esperava. Depois que deixou a escola, aos 18 anos, estudar não fazia parte da sua rotina.

No CR, ele trabalha como padeiro. No tempo livre gosta de ler livros de filosofia, história e geografia. Para ele, a leitura é importante no processo de ressocialização.

“O que mudou para mim foi disciplina e a maneira de pensar. Aqui trancado a gente aprende a dar valor para as coisas mínimas que a gente tem lá fora, o que aqui dentro fazem uma falta terrível. Então a oportunidade que a unidade deu ajudou bastante a evoluir como homem, como pessoa”, disse.

Trabalho e leitura

O CR de Rio Claro tem capacidade para 216 presos, mas atualmente abriga 85 porque 60% da unidade está interditada para reformas, previstas para começar em março.

Segundo o diretor, 53 reeducandos estão no regime semiaberto e 32 no regime fechado. Para cumprir pena na unidade, é necessário preencher alguns critérios, como ser primário e não ter condenação superior a dez anos, por exemplo.

Todos os reeducandos trabalham para empresas parceiras dentro e fora da unidade e recebem um salário mínino. Quem não tem o ensino médio, estuda à noite no CR. Há redução de um dia de pena por três dias trabalhados e redução de um dia por 12h de estudo.

“Aqui não é opcional. A pessoa pode até optar por não estudar, mas aqui também não fica. Para vir para cá, o preso passa por uma entrevista e eu falo você aceita essas condições?”, explicou o diretor, que comanda a unidade há mais de 11 anos.

Quando o preso já concluiu o ensino médio, o diretor o incentiva a participar do Clube da Leitura, projeto que teve início no ano passado na unidade. O programa tem por objetivo incentivar e aproximar o preso do universo literário como ferramenta no processo da cidadania.

No programa de leitura, proposto pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2013, o preso pode ter até 48 dias de perdão em um ano se fizer uma resenha do livro lido por mês.

“Tem reeducando que chega aqui analfabeto, não sabe escrever o nome. O incentivo ao estudo proporciona uma mudança nítida de postura. A mudança é cultural”, concluiu o diretor.

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