Diocese é acusada de perseguir vítimas dispostas a fazer denúncias.
Aos 16 anos, o seminarista Tiago (nome fictício) conta que viveu a pior experiência de sua vida: foi abusado sexualmente por dois padres em Araras, no interior de São Paulo. Órfão, ele via nos clérigos a figura paterna que não tinha, não pessoas que o desejavam sexualmente. Então virgem, ele afirma ter ouvido do então pároco da igreja do Bom Jesus, padre Carlos Alberto da Rocha, o qual segurou diversas vezes em seu pênis, que esse era o caminho para “fazer carreira na igreja”.
Tiago também afirma que foi assediado por um então seminarista durante um curso numa paróquia de Porto Ferreira. O algoz nesta ocasião, segundo Tiago, foi o padre Pedro Leandro Ricardo, afastado desde 26 de janeiro da Basílica de Americana, após ser investigado por assédio de menores. Revoltado, Tiago abandonou a batina e leva a vida como civil. Hoje se diz disposto a ir à Justiça para narrar o drama que viveu em 1999 e 2000. Na época, nunca contou a ninguém, exceto a um pároco e ao então bispo dom Ercílio, à frente da diocese na época. O primeiro padre que foi seu suposto abusador, ao contrário de ser investigado, segue na Igreja em uma paróquia ainda mais proeminente, a basílica Nossa Senhora do Patrocínio, em Araras (SP).
— Nada aconteceu. Sofri calado — diz Tiago, que hoje está com 35 anos e aguarda para ser ouvido em inquérito.
O padre Carlos nega a denúncia: “Sou mais uma vítima, dentre tantas, daqueles que, aproveitando o momento, sentem prazer em prejudicar de forma desumana o próximo”, afirmou, em nota distribuída pela assessoria de imprensa da diocese.
A polícia já ouviu quatro ex-coroinhas que fizeram denúncias de assédio sexual contra o padre Leandro em Araras. Além delas, duas pessoas que dizem ter sido vítimas do religioso — uma em 2003 e a outra em 2015 —, quando ainda menores de idade, devem prestar depoimentos.
Ao menos seis padres da região que falaram com O GLOBO no último mês sob anonimato afirmam que a diocese de Limeira adota a prática sistemática de acobertamento das denúncias. Eles citam casos de outros quatro párocos que teriam sido relacionados a supostos casos de pedofilia que nunca foram averiguados. Os episódios variam, segundo estes clérigos, de simples perseguições a casos graves, em que a diocese tratou de fechar acordos com familiares das vítimas, para que os relatos não se tornassem públicos.
O advogado do padre Leandro, Paulo Henrique de Moraes Sarmento, afirma que as acusações fazem parte de uma estratégia para incriminar falsamente o clérigo, e que pessoas em situação de prostituição estariam sendo contratadas para que se apresentem à imprensa como vítimas de abusos sexuais.
A defesa do padre também afirma que existe “um grupo criminoso” por trás das denúncias anônimas, cujo objetivo é ver bispo afastado e o padre expulso da Igreja Católica:
– Os integrantes desse grupo, valendo-se de perfis falsos, fizeram contato com diversos padres, forjando conversas comprometedoras para o fim de chantageá-los, o que, de fato, acabou acontecendo. Tais fatos já foram levados a autoridade policial – diz o criminalista, que representa o padre Leandro.
Os advogados dos ex-coroinhas que acusam o Padre Leandro de assédio sexual reagiram. Eles divulgaram uma nota em que dizem que repudiam qualquer julgamento moralista e precipitado das vítimas:
“Julgar as vítimas é o mais sórdido e mais comum mecanismo daqueles que não conseguem justificar seus atos. É essa inversão que possibilita a violência doméstica e é essa prática que faz do Brasil um dos lugares mais perigosos do mundo para a população LGBTI viver. O machismo e a homofobia não possuem assento na lei e deveriam ser definitivamente expulsos de qualquer argumentação, na medida em que empobrece o defendente, tornando-o apenas aquilo que ele luta para ocultar: um predador”, informa a nota assinada pelos advogados Talita Camargo da Fonseca, Roberto Tardelli, Aline de Carvalho Giacon e Gustavo Paiva.
Os defensores afirmam ainda que creem firmemente na capacidade de superação dos dirigentes da Igreja Católica, “que passa a corajosamente discutir e enfrentar essa delica questão, com maturidade e sendo de reparação social do mal praticado por seus representantes, que eventualmente não conseguiram estar à altura das responsabilidades de um líder religioso”.
E concluem dizendo que reiteram sua confiança na Polícia Civil e no Ministério Público e no judiciário que “saberão investigar, processar e julgar, com altivez e autonomia, com rigor e com independência”.