‘Estaria vivo’, diz esposa de idoso de 78 anos que morreu após ter atendimento negado pelo Samu

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Por Gabrielle Chagas, G1 São Carlos e Araraquara e EPTV2

A esposa do idoso de 78 anos, que morreu após ter atendimento negado por uma médica e dois atendentes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de São João da Boa Vista (SP), disse que se não houvesse demora no socorro o seu marido poderia ter sido salvo.

“Teria salvado. Se tivesse [socorrido] antes, acudido antes, estaria vivo”, afirmou a aposentada Maria José Jesus Vicente.

A defesa da médica alega que foram seguidos todos os protocolos, que houve falha na formação da comissão que avaliou o caso e que vai recorrer da decisão. (Veja abaixo o posicionamento completo). A defesa dos atendentes não foi localizada.

A Polícia Civil de Espírito Santo do Pinhal, cidade onde o idoso vivia, abriu inquérito e as investigações sobre o caso estão em andamento.

Médica e atendentes do Samu são demitidos por omissão de socorro a idoso

‘Poderia ter feito a diferença’

A opinião sobre a demora pelo socorro é compartilhada pelo vizinho que ligou para o Samu para pedir a ambulância.

“O falecimento dele se deu por choque séptico, que é falência múltipla dos órgãos [causada por infecção]. Segundo os médicos que eu consultei, esse quadro poderia ter sido revertido se socorrido precocemente”, disse o agente funerário Leonardo Orte, de 35 anos.

“Essa demora para poder levar ele ao pronto-atendimento poderia, sim, ter feito a diferença entre a vida e a morte dele. Talvez se ele pudesse ter sido socorrido e medicado logo, ele poderia estar vivo”, afirmou Orte.

Segundo ele, foram quatro solicitações pela ambulância de atendimento, que começaram por volta das 23h de 7 de janeiro. Três delas feitas pela mãe e uma feita e gravada por ele.

Atendimento negado

De acordo com Orte, ele e a mãe olham por Geraldo Vicente e sua esposa, de 76 anos, há 10 anos, pois os vizinhos são sozinhos. As primeiras ligações foram feitas pela mãe a pedido da idosa.

Ambulâncias do Samu Regional em São João da Boa Vista — Foto: Reprodução/EPTV

“Foi falado que ele tinha 78 anos, que era hipertenso, que ele estava passando mal, mesmo assim, eles falaram que a médica avaliou. Aqui é Espírito Santo do Pinhal, interior, quando liga para o Samu cai em outra cidade para depois ser passada para a cidade de Pinhal para poder estar indo até a residência da pessoa, então como que a médica lá de São João da Boa Vista, de outra cidade pode avaliar ele aqui para autorizar a saída da ambulância? É arriscado”, disse.

Em seguida, a mulher tentou entrar em contato com o pronto atendimento para pedir a ambulância, mas foi informada que o motorista estava em horário de jantar e não tinha outra pessoa para colocar no lugar dele.

Ligação gravada

O agente funerário ligou em seguida e avisou que estava gravando através de um aplicativo no celular.

“Eu informei que estava gravando, que ele tinha problema de coração, que ele era hipertenso, que ele estava passando mal, que ele tinha 80 anos, e mesmo assim o atendente se negou a mandar a ambulância”.

Após insistir com o primeiro atendente, Orte foi encaminhado para falar com o seu superior, que também negou o envio da ambulância. Esse último informou que quem poderia autorizar seria a médica de plantão.

“Aí eu falei que queria falar com a médica, porque é um caso de emergência, o homem está morrendo aqui. Foi quando ela falou aquelas coisas gravadas, que Samu não é táxi”.

Veja a transcrição de um trecho da ligação:

Médica: Eu já conversei com a esposa, tá bom? Quando o vizinho liga a gente pede para chamar o familiar.

Vizinho: Não, sim… Só que é o seguinte, ele ‘tá’ passando mal.

Médica: Você pode levar por conta própria. Você tem carro? Você pode levar.

Vizinho: Eu tenho carro, só que se eu tivesse o carro e eu ‘tivesse’ lá perto dele eu já tinha levado né doutora, não ‘tava’ solicitando vocês.

Médica: É que o caso dele eu já conversei com a esposa que é responsável por ele. Eu não posso falar com você.

Vizinho: A senhora vai negar o transporte? É só isso que eu quero saber.

Médica: Não, mas o Samu não é transporte, Samu não é táxi. Eu vou te explicar o que aconteceu com ele: a esposa dele deu café preto com queijo, aí ele pegou e vomitou três vezes. Nem diarreia ele está. Não é caso para ambulância do Samu.

Vizinho: Ah, então ‘tá’ bom.

Médica: Ele precisa de um médico? Precisa, mas é pela ambulância do município.

Vizinho: A senhora não vai mandar a ambulância do Samu, é isso que eu quero saber, doutora. É só isso.

Médica: Você não quer entender para que serve o serviço do Samu, obrigada e boa noite.

Morte por choque séptico

Vicente foi socorrido apenas depois da meia-noite e meia pela ambulância do pronto atendimento da cidade. Sua morte foi constatada no local, 12 horas depois, por choque séptico. Para Orte, o caso é absurdo.

“Foi um descaso total e ele infelizmente acabou morrendo. A demissão por justa causa foi por um processo administrativo interno da Condeg, agora por fora eu fiz um boletim de ocorrência e vai ser apurado a nível criminal para ver se houve omissão de socorro, porque isso é um crime, fere até o estatuto do idoso”, disse.

Defesa de médica

O advogado de defesa da médica, Elias Curvelo, afirma que todos os protocolos do Ministério da Saúde foram cumpridos, que o paciente permaneceu no pronto-socorro por mais de 12 horas e que os atendimentos foram realizados.

O advogado de defesa da médica do Samu de São João da Boa Vista, Elias Curvelo — Foto: Reprodução/EPTV

“Ele permaneceu até às 6h quando na ficha consta como indicado para internação. Ele aguardou vaga. Até 11h ele recebeu alimentação. Às 13h, infelizmente ele entrou em parada cardiorrespiratória e às 13h20 ele veio a falecer, tendo como causa mortis choque séptico”, disse.

O advogado, que também é marido da médica, aponta falhas na composição da comissão que analisou a conduta dos envolvidos.

“Nós alegamos que fosse apresentado o grau de instrução da presidente da comissão, isso porque o presidente da instrução tem um grau de instrução superior do representado, para que ele sinta a garantia da ampla defesa e do contraditório. Outro aspecto importante, [é que] houve uma pressa muito grande para apresentar para a população uma resposta. Não houve preocupação que fosse feito de uma forma justa”, disse.

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