Gás de cozinha chega a 46% de aumento e fogão a lenha vira opção para moradores sem condições de comprar o botijão

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O risco de incêndio é grande com tantas chamas acesas próximas de materiais inflamáveis, a única alternativa de muitos.

“Eu estou cozinhando esse feijão, que eu até ganhei esse feijão, porque eu estava sem”, explica Vanilda Alves da Silva enquanto agacha e levanta a tampa da panela mostrando a fervura da água. A chama que cozinha o feijão queima da madeira usada num fogão a lenha improvisado por inúmeras famílias que não têm a mínima condição de comprar um botijão de gás.

Nos últimos dois anos, o preço do gás de cozinha subiu em média 46,8% em Piracicaba (SP), segundo pesquisas de preços da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). “Hoje em dia está tão difícil, porque um gás é R$ 110, R$ 120 agora.

Até dois meses atrás estava R$ 80. Cada dia que passa está subindo, todo dia está subindo”, calcula Vanilda. “Então como é que você vai tirar o do arroz, do feijão e de um litro de óleo se você não está tendo nem pra eles?”

Esta reportagem integra a série ‘Custo de Vida’, que o g1 Piracicaba publica ao longo desta semana para mostrar os impactos provocados pelos aumentos nas despesas básicas da população em 2021.

Vanilda conta que em Goiânia trabalhava na costura de tudo, sabe fazer overloque, costura reta, jeans, camisetas. “Quando a gente tem as máquinas, a gente sabe [fazer roupa]”, explica. Em Piracicaba há pouco mais de um ano, ela diz que não sabe onde procurar emprego na área, mas que gostaria de conseguir agora que a pandemia amenizou.

Com 53 anos, diabética, ela conta que já tomou as doses da vacina contra a Covid-19, o que a permite conseguir arrumar um emprego em uma empresa. “Eu quero trabalhar, eu falo pra Deus: ‘Meu Deus, esse ano que entrar agora, que eu consiga um emprego. Eu preciso trabalhar.”

A pandemia, inclusive, foi o que tirou a pouca renda que conseguiu ter ao se mudar para a cidade. Sem poder vender água nos semáforos ou na Rua do Porto, pelas medidas sanitárias da Covid, parou de trabalhar. “Você pode andar aqui tudinho, a maioria está desempregado. Não sei se é porque eles falam: ‘a pessoa mora numa comunidade, ele… eu acho, assim, que é um preconceito. Porque nós não temos endereço próprio, né”, comenta Vanilda.

“Então, muitos pensam: ‘como eu vou arrumar uma pessoa que mora numa comunidade. Eu vou saber quem ela é?'”

Vanilda mostra comida em fogão de lenha improvisado: alternativa à falta de dinheiro para o gás — Foto: Júlia Heloisa Silva/ g1

Panelas e chamas

No fundo do barraco, Edileuza Rodrigues Pereira, de 43 anos, mostra a cozinha que foi “instalada” na área externa. Ela tenta manter acesa a chama do fogão a lenha – que poderia ser confundido com uma fogueira – onde ela faz todos os dias a comida pra ela e os três filhos. O prato do dia foi arroz, feijão e batata frita.

Edileuza conta que está desempregada e a procura por um trabalho é diária. “Procurar a gente procura, todo dia, mas não está conseguindo.” Já fez faxina, já foi encarregada de obra, mas conta que a falta de experiência dificulta que ela consiga um trabalho fixo.

“A gente vai procurar [emprego] de camareira, e aí eles não querem pegar porque você já trabalhou de recepção. Acha que você não vai encarar o serviço, e não tem experiência pra mais nada, então fica difícil.”

A fumaça dos fogões a lenha toma conta do ambiente, o que é percebido em quase todos os barracos da comunidade. Dona Maria Cecília Costa Silva, de 61 anos, conta que o marido, Geraldo Lima, fez o fogão e tudo no barraco usando doações que conseguiu nas redondezas.

As duas garrafas térmicas de café e o formato do fogão lembram a origem mineira da idosa, que está há cerca de 4 anos em Piracicaba, onde se mudou para ficar perto dos filhos.

A entrada do barraco já dá na cozinha, onde há dois fogões a lenha improvisados com barro: o primeiro não deu certo porque “no dia que chove grosso” a água pode desmanchar um deles – por estar perto da parte que não é coberta. “Aonde é fogo e água, todo cuidado que a gente tomar é pouco né”, conclui Maria Cecília.

O risco de incêndio é grande com tantas chamas acesas próximas de materiais inflamáveis, a única alternativa de muitos. “Eu acredito que ninguém quer estar assim, ninguém vem aqui porque gosta”, comenta Edileuza. “Pode até existir pessoas que não gostam de trabalhar, não sei… mas não é o meu caso.”

Maria Cecília e o marido Geraldo Lima, que fez o fogão a lenha e tudo no barraco usando doações que conseguiu nas redondezas — Foto: Júlia Heloisa Silva/ g1
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