Segundo especialistas, possível punição de bancos não anula a responsabilidade quem recebeu o benefício indevido. Febraban diz que analisa a nova norma e colabora com o governo.
Uma instrução normativa publicada nesta sexta-feira (19) pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) prevê que instituições financeiras podem ser responsabilizadas pelo pagamento indevido de benefícios após o falecimento do segurado.
A norma regulamenta o procedimento de recuperação destes valores recebidos após o óbito, um problema que envolve centenas de milhares de pagamentos.
Segundo o último levantamento da Dataprev, estatal que gere os dados previdenciários, foram identificados 737.796 benefícios pagos a pessoas com óbitos registrados.
“Inicialmente serão enviados ofícios às instituições bancárias para restituição em cumprimento ao que dispõe a lei e, somente após a confirmação de recebimento indevido por terceiro a área responsável pela cobrança administrativa tomará as providências contra a pessoa física”, informou o INSS.
Práticas irregulares
Pelo texto da norma, a instituição financeira pode ser responsabilizada “pelo dano causado ao erário relativo ao crédito pós-óbito por descumprimento de obrigação de natureza legal ou contratual”.
Nesse caso, serão considerados indícios de práticas irregulares:
- quando houver comprovação de vida/renovação de senha mesmo após a data de óbito do beneficiário (ou seja, falha do banco);
- por atualização bancária indevida — por exemplo, contratação de empréstimo consignado em nome do beneficiário após a data do óbito;
- ausência de comprovação de vida/renovação de senha após 12 meses nos casos previstos.
Se for confirmada a responsabilidade da instituição financeira, será adotado procedimento de cobrança administrativa.
Para Rômulo Salomão, advogado especialista em direito previdenciário e trabalhista, a medida reforça o combate ao pagamento indevido.
“A instrução normativa é nova, mas está trazendo algo que já existe [possibilidade de restituição dos valores pagos indevidamente], deixando de forma mais clara, mais fácil de aplicação”, explicou o advogado.
Pessoa física também pode ser responsabilizada
Segundo o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Diego Cherulli, a norma regulamenta uma lei de 2019 que já previa a possibilidade de restituição de valores creditados indevidamente em favor de pessoas falecidas.
Cherulli explicou ainda que essa responsabilização “será solidária com a pessoa física ou jurídica que recebeu os valores indevidamente”. Ou seja, não exclui a penalidade para quem recebeu o valor indevidamente.
Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que a instrução normativa ”está sob análise dos grupos técnicos competentes, para definir a melhor forma de sua aplicação, sempre no intuito de colaboração com o sistema previdenciário e seus beneficiários”.
Histórico
O problema com pagamentos indevidos do INSS a beneficiários já falecidos não é recente. Em 2019, uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) lembrou que o tema era objeto de atenção desde 2005 e identificou cerca de 20 mil beneficiários que receberam pagamentos em datas posteriores à do registro da morte no Sistema de Controle de Óbitos mantido pelo Dataprev.
Segundo os auditores, aqueles casos geraram sozinhos um prejuízo potencial de R$ 323 milhões ao ano para a Previdência Social.
À época, o documento recomendou que o INSS implementasse “controles automatizados a fim de evitar o pagamento de benefícios previdenciários após o óbito do segurado” e, enquanto isso, “rotinas de cruzamento de informações (…) a fim de evitar o pagamento de benefícios previdenciários a segurados falecidos.”
Antes disso, em 2017, outro relatório da CGU apontou que naquele ano o INSS havia aberto 68.233 processos de cobrança administrativa ou de devolução para recuperar R$ 630,6 milhões em pagamentos indevidos a beneficiários já falecidos.
No entanto, só 24% do valor, cerca de R$ 152,64 milhões, efetivamente voltaram aos cofres públicos. No documento, os auditores apontaram “a insuficiência das providências relacionadas à recuperação de valores relativos a pagamentos de benefícios após o óbito do titular” como uma situação que perdurava pelo menos desde 2013.
Como funciona em caso de falecimento de beneficiário
Os cartórios têm prazo de um dia útil para registrar o óbito no Sistema Nacional de Informações de Registro Civil. Nas localidades sem acesso à internet, o prazo é ampliado para até cinco dias úteis. Através desse sistema, o INSS faz o cruzamento dos dados e cessa o benefício por óbito.
Além das informações provenientes das certidões, o INSS informou que também verifica outras bases de dados nas quais possam ser identificadas situações suspeitas de óbito, como informações da Receita Federal;
Segundo o INSS, no intervalo entre o óbito e o cruzamento de dados pelo instituto, há casos em que terceiros, na posse do cartão e da senha do falecido, sacam indevidamente o valor depositado.
O procedimento correto, nestas situações, é que a família requeira os valores não recebidos em vida pelo beneficiário e/ou solicitar a pensão por morte. O recebimento indevido do pagamento em nome de um beneficiário que faleceu pode gerar cobrança administrativa pelo INSS.