Igreja Mundial do Poder de Deus postou vídeos em redes sociais oferecendo semente de feijão por até R$ 1 mil cada. Juiz federal em SP quer que governo forneça informação à população sobre se há eficácia no alimento. Na ação, MPF afirma que feijão não cura e é propaganda ‘enganosa’.
O juiz federal Tiago Bitencourt de David, da 5ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou que a União informe no site do Ministério da Saúde, em até 15 dias, se há ou não eficácia comprovada das sementes de feijão no combate à Covid-19. O uso das sementes é defendido em vídeo pelo líder religioso Valdemiro Santiago de Oliveira, da Igreja Mundial do Poder de Deus.
A decisão do magistrado, publicada na terça-feira (27), determina ainda que o governo federal apresente, no prazo de 30 dias, a identidade completa de quem determinou a supressão da informação sobre os feijões que antes estava publicada no site do Ministério da Saúde.
A ordem ocorre após investigação iniciada pelo Ministério Público Federal (MPF), que viu indícios de estelionato por parte do pastor Valdemiro Santiago que, em vídeos na internet, incentivava os fiéis a plantar as sementes por ele comercializadas. Na ação, o MPF afirma que os feijões não curam e são propaganda “enganosa”.
O pastor vendia as sementes por valores entre R$ 100 a R$ 1 mil, sob o argumento de que teriam eficácia terapêutica para a cura da Covid-19, mesmo em casos graves.
A reportagem solicitou posição do governo federal e do Ministério da Saúde sobre o caso e aguarda retorno.
Para o MPF, houve prática abusiva da liberdade religiosa, já que Valdomiro e a Igreja Mundial do Poder de Deus tinham o objetivo de angariar recursos financeiros com a venda das sementes.
O MPF alegou ainda que pediu ao Google a retirada dos vídeos de Valdomiro na internet que propagavam o uso das sementes e, ao Ministério da Saúde, que a notícia veiculada pelo líder religioso fosse incluída no site oficial do órgão como sendo “fake news” (notícia falsa). A notícia foi incluída pelo governo federal no site, mas retirada posteriormente, o que, para o MPF, “induziu, equivocadamente, ao questionamento da fé e crença de uma parcela da população”.
Durante o processo, o governo federal informou que “tem adotado as medidas necessárias para neutralizar as informações equivocadas que colocam em risco a saúde pública e que causam prejuízos sociais, incluindo em seu site a informação de que inexistem estudos científicos sobre alimentos que garantam a cura ou o tratamento da Covid-19”.
Em sua decisão, o juiz afirmou que “é preciso considerar que a liberdade de crença não pode ser indevidamente restringida pelo Estado e nem este pode ser cooptado por entidade religiosa, pois a Constituição Federal estabelece que o Estado é laico, não combatendo a profissão de fé e nem incorporando-a no próprio governo, de modo que os fiéis não têm mais ou menos direitos que os ateus”.
Para o juiz, se uma pessoa deseja gastar seu dinheiro de um modo e não de outro, isso é assunto dela, “não podendo o Estado dizer que ela é ignorante e não sabe fazer boas escolhas”.
Mas, diz o magistrado, apresentar os dados significa dar condições para que a população “escolha de modo informado e consciente”. Ele entende que cabe à União “informar a população acerca da (in) eficácia curativa do feijão apresentado como abençoado e alegadamente dotado de poder restaurador da saúde”.