Segundo laudo técnico veterinário, estabelecimento era clandestino, tinha condições precárias de higiene, e o espaço, alimento e água eram insuficientes. Treze cachorros morreram após resgate.
A Justiça de Limeira (SP) acolheu uma ação civil pública na qual o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) cobra R$ 690 mil de indenização de um casal morador da cidade acusado de maus-tratos contra 134 cães e quatro gatos que eram mantidos em um canil dentro de uma casa. Treze morreram após serem resgatados.
Na esfera criminal, Adilson César Vicente e Fabiana Vanessa Fabri Vicente foram condenados a nove anos e seis meses de prisão em primeira instância, em novembro do ano passado, mas recorrem em liberdade contra a decisão. A Polícia Civil e Guarda Civil Municipal resgataram do imóvel, que fica em um condomínio na Vila Santa Rosalia, em 13 de abril de 2022, 131 cães da raça lulu-da-Pomerânia, um da raça pastor belga branco, dois da raça lhasa apsu e quatro gatos persa.
O proprietário do local, junto a sua esposa, foram detidos quando chegavam no condomínio e conduzidos à Delegacia de Investigações Gerais (DIG). No entanto, o casal foi liberado no dia 15 de abril, após pagamento de fiança. A Polícia Civil localizou e apreendeu R$ 33 mil em dinheiro na chácara onde os animais foram resgatados. De acordo com a DIG, o dinheiro foi localizado em meio a vacinas vencidas ou em mau estado de conservação.
Na ação cível, acolhida pela Justiça nesta quarta-feira (3), o promotor de Justiça e Defesa do Meio Ambiente, Luiz Alberto Segalla Bevilacqua, anexa um relatório técnico de veterinário que aponta existência de cercados pequenos no local com cerca de seis a sete animais em cada um; outros em caixas de transportes pequenas; ventilação inadequada e acesso ao sol impossibilitado; “péssima condição higiênica”, com acúmulo de fezes e urina e animais sujos e com carrapatos; e ausência de água e alimento em alguns recintos ou em pequena quantidade ou água suja e embolorada.
O laudo também aponta existência de maus-tratos e que se tratava de um canil clandestino, sem registro, estrutura ou responsável técnico adequado. Prints anexados ao processo criinal apontam que os animais eram vendidos por cerca de R$ 5 mil. Após o resgate, os animais foram levados para ONGs. Em uma delas, que acolheu 26 deles, uma veterinária constatou que todos tinham traumas psicológicos e 20 testaram positivo para a doença do carrapato. Conforme a acusação, durante a tramitação da ação criminal, 13 cães morreram em decorrência de cinomose.
Uma das veterinárias que examinou os cães mortos apontou que muitos se alimentavam de fezes e houve mortes decorrentes de cinomose, doença que “sem dúvida” pegaram no imóvel onde eram mantidos. Outra veterinária confirmou que a cinomose pode ser causada pela ingestão de fezes. A Promotoria cita o cálculo de que o valor de R$ 690 mil em indenização representaria R$ 5 mil por animal mantido nas condições relatadas e pede que, se houver condenação, os recursos sejam depositados em um fundo de reparação de bens lesados.
Doação autorizada e gastos de R$ 300 mil
Ao proferir a condenação criminal, em novembro de 2022, o juiz Guilherme Lopes Alves Lamas determinou a perda da guarda dos animais pelo casal e permitiu que eles sejam colocados para adoção. “E, no presente caso, ao se deferir a adoção, não se está tratando de bens quaisquer, mas sim de seres sencientes como o Amadeu, a Ana, a Bia, o Breno, o Arlo, a Carol, o Daniel, dentre tantos outros, os quais, certamente, aguardam ansiosamente um lar definitivo onde possam ter o carinho que merecem, ainda mais depois de todo o sofrimento que enfrentaram”, justificou.
Na denúncia nessa esfera, o promotor também solicita informações do quanto foi gasto com o tratamento desses animais após resgate, por parte de representantes da sociedade civil. “Nos autos já foi apontado que houve pagamento de consultas veterinárias e outros despesas, para o adequado tratamento dos animais”, solicita o promotor em trecho da denúncia enviada à Justiça.
Na sentença, o juiz aponta gasto de mais de R$ 300 mil.
Defesa diz que cena foi forjada
Advogado dos réus, Daniel Jesus de Almeida afirmou nesta quinta-feira (4) que o processo criminal ainda está tramitando, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), após recurso apresentado pela defesa. À época da condenação criminal, ele informou que “confia plenamente que a absolvição” e que houve manipulação dos fatos e provas periciais. “A consideração de documentos simulados discrepantes das circunstâncias, ocasionou em condenação injusta dos acusados que sofrem pela retirada compulsória dos animais”, acrescentou.
Almeida ainda diz que foram desconsiderados diversos elementos do estado de saúde individual dos animais com idade avançada. “Os acusados jamais agiram com intenção de prejudicar seus protegidos, não existindo provas concretas de maus-tratos aos cães, enquanto mantidos sob a guarda dos acusados e tratados como filhos em ambiente acolhedor a vida animal”, completou.
Ele também afirma que integrantes de uma Organização Não Governamental (ONG) teriam invadido o imóvel, retirado documentos, colocado os animais em gaiolas apertadas, deixado no local vacinas vencidas e espalhado fezes para supostamente forjar uma cena de crime. Diz, também, que a água do condomínio teria sido cortada propositalmente antes da fiscalização, o que impossibilitou a limpeza do local, que era realizada diariamente, e levou ao acúmulo de sujeira.
Sobre as mortes dos animais após o resgate, a defesa dos réus aponta que uma perícia que os réus contrataram constatou que eles não estavam contaminados com cinomose quando foram levados da casa. Aponta, ainda, que em vistas anteriores do Departamento de Proteção e Bem Estar Animal na residência não foram constatados sinais de maus-tratos. O advogado solicita que sejam produzidos 138 laudos individualizados quanto à saúde de cada animal.
Sobre o relato de adulteração do local, o juiz do caso considerou a afirmação como inverossímil e que não foi sustentada pelos depoimentos e documentos colhidos. Quanto à entrada no imóvel, o delegado responsável pelo caso, Leonardo de Oliveira Burger, informou à Justiça que optou-se pela entrada para prestar socorro aos animais em maus-tratos. Quanto ao pedido de laudos individualizados, o juiz do caso considerou que o laudo de local foi suficiente.