Pesquisadores da Unesp investigam combinação para tratar periodontite em diabéticos

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Inflamação crônica na gengiva ocorre com frequência em pacientes e ocasiona prejuízos; estudo tem apoio da Fapesp.

Associar suplementos de ômega-3 e comprimidos de aspirina ao tratamento convencional para periodontite permite obter melhores resultados clínicos em pessoas com diabetes, ajudando até mesmo no controle da glicemia. A inflamação crônica na gengiva ocorre com frequência nos diabéticos e traz prejuízos importantes na qualidade de vida.

A conclusão é de um estudo apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e publicado no Journal of Periodontology. A investigação foi conduzida durante o doutorado de Nidia Cristina Castro dos Santos no Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em São José dos Campos.

“Periodontite e diabetes são doenças muito prevalentes na população e, frequentemente, ocorrem juntas. É, portanto, de grande interesse encontrar um tratamento relativamente barato e com poucos efeitos colaterais que ajude a combater os dois problemas ao mesmo tempo”, comenta Nidia Cristina Castro dos Santos, autora principal do trabalho, à Agência Fapesp.

Metodologia

Para o ensaio clínico randomizado, Castro dos Santos e seu grupo recrutaram 75 indivíduos com periodontite de moderada a severa e diagnosticados com diabetes tipo 2 há pelo menos cinco anos, grande parte deles com a doença descompensada. Os participantes foram divididos em três grupos.

O primeiro, utilizado como controle, foi submetido apenas ao debridamento, que é a remoção mecânica do biofilme de bactérias que se acumula nos dentes e leva à inflamação no periodonto (nome técnico da gengiva). O procedimento também é conhecido como raspagem. O segundo grupo tomou uma combinação de 3 gramas (g) de óleo de peixe, fonte de ômega-3, e 100 miligramas (mg) de aspirina por dois meses após o procedimento. Já o terceiro ingeriu as mesmas doses, pelo mesmo período, mas antes realizar o debridamento.

“Nos dois grupos submetidos à abordagem combinada os resultados foram superiores aos dos voluntários que fizeram apenas a raspagem”, afirma Castro dos Santos. Utilizar a suplementação após o debridamento, contudo, foi ainda melhor, com uma taxa de sucesso de 40% no tratamento, contra 16% no grupo controle.

Além disso, os voluntários submetidos a esse protocolo apresentaram redução nos níveis de interferon-gama (IFN-γ), interleucina 1-beta (IL-1β) e interleucina 6 (IL-6), três moléculas envolvidas em processos inflamatórios. Também se observou queda no nível de hemoglobina glicada no sangue, o que sugere melhora no controle da glicemia e, portanto, do diabetes.

Relação de mão dupla

Estima-se que a periodontite severa – caso em que a inflamação é tão grande que dificulta a mastigação, causa dor e pode levar à perda de dentes – atinja 11% da população adulta. Nos diabéticos, a prevalência chega a 32%. Trata-se de uma relação de mão dupla.

“Tanto o diabetes aumenta a severidade e a frequência da doença periodontal quanto a periodontite prejudica o controle da glicemia”, explica à Agência Fapesp Mauro Pedrine Santamaria, professor da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos da Unesp e orientador da pesquisa.

A inflamação é o elo entre ambas. A alta concentração crônica de açúcar no sangue, efeito do diabetes, leva a um estado inflamatório sistêmico, que facilita o aparecimento da periodontite. “E a inflamação na gengiva libera mediadores inflamatórios na circulação, que impedem uma ação adequada da insulina e pioram o metabolismo da glicose”, explica Santamaria.

O ômega-3, por outro lado, tem reconhecida ação na resolução da inflamação. Anteriormente, um grupo de pesquisadores do The Forsyth Institute, da Harvard University, dos Estados Unidos, havia demonstrado que esse tipo de gordura ajuda no controle da doença gengival em pessoas sem diabetes.

“Ele é um substrato para a produção de lipídios como as resolvinas e maresinas, que coordenam a resposta inflamatória”, destaca Castro dos Santos, que realizou estágio no The Forsyth Institute, de onde teve a ideia de usar a estratégia nos diabéticos. É como se esses lipídios “organizassem” a inflamação criada pelo sistema imune.

Já a aspirina parece aumentar a síntese desses lipídios e melhorar sua ação. Tanto que há uma resolvina chamada de triggered by aspirin resolvin (em tradução livre, resolvina desencadeada pela aspirina), mais potente e eficaz.

Vantagens

Essa abordagem é considerada mais acessível e custo-efetiva, uma vez que o óleo de peixe e a aspirina são relativamente baratos e encontrados com facilidade nas farmácias. “O trabalho abre portas para um protocolo mais eficiente em uma população que precisa muito de tratamento. E, eventualmente, poderá ser usado na rede pública”, diz Santamaria.

O tratamento convencional com a raspagem é bastante eficaz, mas não raro precisa ser complementado com antibióticos. “Mas a periodontite pode voltar e, ao longo dos anos, o uso indiscriminado de antibióticos gera resistência, o que diminui o efeito benéfico do medicamento”, completa Santamaria.

Modular a inflamação do hospedeiro é uma estratégia inovadora. “Até então, a maior parte dos trabalhos focava nas bactérias”, explica Castro dos Santos. Chama a atenção também o fato de tanto o ômega-3 quanto a aspirina apresentarem poucos efeitos colaterais relevantes. A aspirina apresenta um risco de sangramento gastrointestinal documentado, mas apenas observado em pacientes que fizeram uso por períodos mais prolongados.

Por último, ao aplacar a periodontite, há um impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes, que tendem a tomar menos medicações para controlar o diabetes (o que já foi demonstrado em outros estudos). Autoestima e alimentação são dois aspectos impactados pelas versões graves da doença.

Colaboração

O grupo de Castro dos Santos e de Santamaria, em colaboração com a Universidade Guarulhos, está finalizando um novo estudo focado especificamente nesse ponto. “Ao aplicar questionários sobre a qualidade de vida, verificamos que os diabéticos têm mais chance de reportar problemas na qualidade de vida do que os indivíduos normoglicêmicos”, salienta Castro dos Santos.

Outra linha de pesquisas da Divisão de Periodontia do ICT-Unesp avalia, com apoio da Fapesp, o mesmo protocolo para pacientes jovens com periodontite agressiva.

O artigo (em inglês) pode ser lido em https://aap.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/JPER.19-0613.

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