Substâncias proibidas na Europa e nos EUA são usadas em cosméticos no Brasil

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Entenda os efeitos do uso de ‘ftalatos, formóis e parabenos’ em produtos.

Sabonete, desodorante, loção hidratante. Temos contato com vários produtos cosméticos no dia a dia – e a lista aumenta para quem é fã de maquiagem.

No entanto, a não ser que você entenda muito de química, é difícil saber exatamente o que é cada um dos ingredientes naquele rótulo de xampu que você leu durante o banho.

A fórmula dos cosméticos e produtos de higiene pessoal que usamos não é – ou não deveria ser – a mesma hoje do que era há 50 anos. Muitos dos ingredientes que eram usados livremente no passado hoje são proibidos, já que ao longo do tempo foi se descobrindo que alguns fazem mal à saúde ou causam alergias e irritações.

E como a pesquisa está sempre avançando, e há novas descobertas sendo feitas a cada minuto, a lista de substâncias consideradas nocivas tem sempre novos itens.

A União Europeia tem uma lista de mais de 1,3 mil substâncias proibidas que é atualizada de acordo com as últimas análises sobre segurança de ingredientes – é preciso provar que uma substância não faz mal para que ela possa ser usada.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) também tem uma lista extensa de substâncias controladas, baseada na legislação europeia, mas nem sempre ela incorpora os últimos avanços imediatamente.

E ainda acontece de parte da indústria não respeitar as regras determinadas pelo órgão, apesar de poder ser responsabilizada por isso.

Entenda as controvérsias sobre alguns tipos de substâncias encontradas em cosméticos no Brasil.

Ftalatos

Ftalatos são um tipo de substância muito usada para tornar plásticos mais maleáveis, segundo o farmacêutico Diogo Oliveira, pesquisador do Laboratório Innovare da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp.

Em cosméticos, eles costumam ser usados como agentes plastificante em esmaltes. “Ajudam a melhorar a cobertura e a estabilidade, para o esmalte não ficar quebradiço”, explica Oliveira. Segundo ele, eles também podem ser usados como fixadores e estabilizantes em produtos desodorantes.

O problema é que não há garantia de que eles sejam seguros.

“Há indícios de que ftalatos são disruptores endócrinos (interferem na produção de hormônios), e a exposição no longo prazo pode ter um efeito cumulativo”, explica Oliveira.

Na União Europeia, o uso intencional de ftalatos em cosméticos é banido pelo Comitê Científico para Segurança do Consumidor, comissão da UE que regula a produção de cosméticos. São aceitos apenas traços: quando a substância acaba migrando para o produto, em baixíssima concentração, por ter sido usada na embalagem.

Nos EUA, em 2003, pesquisadores do CDC (Centro de Controle de Doenças) descobriram que o público americano tinha alto nível de exposição à ftalatos.

Eles recomendaram que os efeitos da exposição à essa substâncias fossem estudados melhor, o que gerou uma série de pesquisas focadas em seu uso e publicadas nos últimos anos, incluindo um longo relatório encomendado pela Comissão para Segurança de Produtos para o Consumidor, dos EUA.

Embora sejam uma classe ampla de substância, em que nem todos os subprodutos foram estudados, foram encontrados indícios de problemas causados por mais de uma dezena de ftalatos, ligando-os a problemas de fertilidade masculina, asma, baixo QI em crianças, entre outros.

No Brasil, embora existam vários ftalatos na lista de substâncias proibidas em cosméticos da Anvisa, nem todos são vetados. O ftalato de dibutila, por exemplo, é autorizado em esmaltes em concentração de até 15% (e proibido em produtos voltados para crianças).

Formol

Os formaldeídos são um dos casos em que a legislação brasileira está em pé de igualdade com a internacional: eles são proibidos no Brasil – a Anvisa tem uma regulamentação rígida que permite seu uso apenas como conservante, em uma concentração máxima de 0,2%.

Na prática, no entanto, isso não impede que muitos fabricantes desrespeitem a legislação e coloquem no mercado produtos com concentração maior do que a permitida.

Em março a Anvisa proibiu a circulação de quatro produtos que estavam sendo comercializados com mais formol do que o permitido.

Em concentrações bem maiores do que a permitida, a substância promove alisamento em cabelo. O problema é que também tem outros efeitos: é considerado cancerígeno pela IARC (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer).

Em altas concentrações, a substância acaba evaporando e sendo inalada durante a aplicação, e, segundo a IARC, foi comprovado que ela causa câncer nas vias respiratórias.

Por isso é importante saber a marca dos cosméticos aplicados durante visitas aos cabeleireiro e outros profissionais de beleza e garantir que seja uma em que você confia.

Triclosan

A preocupação com doenças e a popularização de produtos antibacterianos – principalmente sabonetes de uso doméstico – levou a um efeito paradoxal. Segundo a FDA (a agência de regulação americana), uma série de pesquisas indicou que exposição prolongada a substâncias contidas nesses produtos pode gerar resistência bacteriana e alterações hormonais.

Isso levou a agência a proibir 19 ingredientes comumente encontrados nesses produtos. A FDA argumentou que não há garantias de que essas substâncias sejam seguras. Os principais são os agentes bactericidas triclocarban e o triclosan.

Além de preocupação com possíveis problemas para a saúde, também há um preocupação com a contaminação do ambiente com essa substância – que pode causar o surgimento de bactérias mais resistentes. Isso acontece porque o uso excessivo de agentes bactericidas e antibióticos mata as bactérias mais fracas, fazendo com que somente as mais fortes sobrevivam e se reproduzam.

No Brasil, a Anvisa permite uma concentração de até 0,3% de triclosan em produtos de higiene pessoal.

Parabenos

O conservante é um dos itens mais necessários em qualquer tipo de cosmético – de hidratante a batom, de creme e barbear à maquiagem de olho.

Conservantes são importantes pois sem eles os produtos podem ser contaminados por micro-organismos. Eles podem vir tanto da matéria-prima quanto do próprio consumidor: quando alguém coloca a mão em um creme ou aplica um batom na boca, está transferindo os contaminantes para o produto.

“Sem a presença dos conservantes, em uma semana já é possível visualizar a contaminação por bactérias e fungos (que causam o bolor) em algumas formulações”, explica bioquímica Lorena Rigo Gaspar Cordeiro, professora da USP.

“Pela legislação brasileira, há um teor máximo permitido de micro-organismos para produtos cosméticos, dependendo da região de aplicação (corpo, área dos olhos) e as empresas devem assegurar que o sistema conservante seja capaz que impedir a proliferação de bactérias e fungos.”

Alguns dos ingredientes mais controversos, os parabenos, são usados justamente como conservantes.

A principal controvérsia sobre a substância começou com uma pesquisa que encontrou uma molécula de parabeno dentro de uma célula de câncer – nada indicava que o parabeno havia causado a doença, mas isso foi suficiente para criar uma grande preocupação nos consumidores sobre o assunto.

O estudo nunca foi reproduzido e nunca analisou se o parabeno veio de cosméticos ou de outra fonte.

“A comissão da União Europeia considerou, após várias análises e investigações, que não havia dados suficientes para afirmar que existe correlação entre a doença e os parabenos”, explica Cordeiro.

No entanto, a American Cancer Society (Associação Americana contra o Câncer) afirma que os parabenos – que podem ser absorvidos pela pele – são uma possível fonte de preocupação pois também são disruptores endócrinos: podem ter efeitos parecidos ao estrogênio, hormônio conhecido por fazer células das mamas crescerem e se dividirem. E o aumento de estrogênio já foi ligado a um aumento no risco de câncer de mama, segundo a entidade.

No entanto, a instituição afirma que o estrogênio produzido pelo corpo é milhares de vezes mais forte do que o possível efeito do parabeno. “Estrogênios naturais (ou de reposição de hormonal) têm uma probabilidade muito maior de causar desenvolvimento de câncer”, afirma.

Apesar de não encontrar ligação direta entre parabenos e câncer, a União Europeia considera que, sobre alguns deles, também não há dados suficientes para garantir sua segurança – assim como os ftalatos, os parabenos são uma classe ampla de substâncias.

Portanto, a regulação europeia proíbe uma série de substâncias dessa classe (isopropilparabeno, isobutilparaben, fenilparabeno, benzilparabeno e pentilparabeno).

Os que são permitidos por lá (propilparabeno, butilparabeno, methilparabeno e ethilparabeno) são considerados seguros pela comissão europeia.

Dos vetados na União Europeia, só o benzilparabeno e o pentilparabeno são proibidos como conservantes pela Anvisa. Os outros podem ser encontrados em cosméticos no Brasil.

Um estudo publicado na revista Environmental International, realizado por pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP em colaboração com pesquisadores americanos, mostrou que crianças brasileiras estão muito expostas a esse tipo de substância.

Em comparação com estudos feitos em outros países, a principal peculiaridade da amostra brasileira foi a alta concentração nas amostras de urina de disruptores endócrinos que costumam fazer parte da formulação de cosméticos – como os parabenos.

Disruptores endócrinos podem ter um efeito maior em crianças, já que para elas o equilíbrio hormonal é ainda mais importante.

A American Cancer Society afirma que, quem tem preocupação com exposição à esse tipo de substância pode facilmente evitá-la lendo a embalagem – tanto nos EUA como aqui, as empresas precisam indicar o uso de parabenos na lista de ingredientes.

Cordeiro afirma que os parabenos são seguros e não necessariamente evitá-los será um bom negócio. “Eles possuem menor potencial de causar alergia do que outros conservantes”, diz.

“Se você tiver algum tipo de irritação ao usar um produto, interrompa o uso, procure um médico e avise a empresa que produz o produto”, aconselha a especialista.

Também é importante evitar aplicar produtos de adultos em crianças, comprar sempre marcas confiáveis e comprar sempre produtos registrados na Anvisa.

“Produtos artesanais também precisam ter registro. É sempre um risco comprar produtos sem registro. Por exemplo, sabonetes precisam de controle de Ph, que precisa ser feito em laboratório. Sabonetes artesanais sem esse controle podem afetar o Ph do corpo, o que é extremamente prejudicial”, explica Cordeiro.

A regulação e a indústria

A Anvisa afirma que adota os limites de substâncias apontados em avaliações conduzidas por autoridades internacionais e que as listas de substâncias permitidas são resultado de uma harmonização entre os Estados do Mercosul. “Estão de acordo com o que está sendo praticado em outros países ou blocos, como Estados Unidos e Europa”, afirma a agência.

A agência também tem um programa de “Cosmetovigilância”, para monitorar produtos já em comercialização, avaliar o risco de efeitos indesejáveis e receber queixas.

Cordeiro explica que, caso algum produto cause alergia, é importe avisar a empresa para que ela reporte o problema ao programa de cosmetoviligância. “O programa existe porque alergia é algo muito individual, então mesmo que você faça todos os testes, é possível que só descubra alguns afeitos posteriormente.”

A ABIHPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal e Cosméticos) afirma que a indústria “tem o compromisso de colocar no mercado produtos que prezem pela proteção da saúde da população e que atendam as normas da Anvisa”.

A entidade também afirma que “a indústria deve possuir dados comprobatórios que atestam a segurança e eficácia do produto, e seguir as legislações de ingredientes atualmente existentes, com suas restrições e proibições em consonância com o preconizado internacionalmente, que fornecem respaldo suficiente para a formulação de produtos cosméticos.”

Empresas e indústria que desrespeitarem as regras podem ser responsabilizadas por isso. Também podem ser adotadas pela Anvisa medidas de precaução, como suspensão da fabricação, comércio e uso de produtos e a interdição cautelar parcial ou total de um estabelecimento ou de um produto, por exemplo.

“Tais medidas visam cessar a exposição da população a riscos até que seja concluída a investigação”, explica a ABIHPEC.

A ABIHPEC afirma também que apoia todas as medidas de controle e fiscalização adotadas pela Anvisa e periodicamente fornece treinamentos para informar e capacitar o setor.


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