Segundo a decisão, além do reconhecimento fotográfico ser insuficiente, o procedimento realizado em juízo não seguiu o previsto no Código Penal. Morador de Monte Mor tem 23 anos, é pai de uma bebê e já voltou a trabalhar após a soltura.
A quinta turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) absolveu um jovem de 23 anos, morador de Monte Mor (SP), condenado por roubo e corrupção de menores em 2022. De acordo com a decisão, a justificativa está em irregularidades no processo de reconhecimento realizado pela vítima, além da falta de outras provas que confirmem a autoria do crime.
No texto, o ministro Ribeiro Dantas aponta que o rapaz foi acusado a partir de um reconhecimento fotográfico feito na delegacia, o que deveria servir, apenas, para a identificação do réu, sem deixar de lado outras provas colhidas na fase judicial. Além disso, ressalta que um novo reconhecimento foi realizado em juízo, pessoalmente, mas que o procedimento não seguiu os moldes previstos pelo artigo 226 do Código de Processo Penal (entenda abaixo).
Outro destaque está nas inconsistências das descrições feitas por vítimas: o jovem tem 1,95 metros de altura, mas inicialmente foi dito que o suspeito teria 1,70. “Estavam os assaltantes com o rosto parcialmente coberto; nada relacionado ao crime foi encontrado em seu poder e a autoridade policial nem sequer explicou como teria chegado à suspeita de que poderia ser ele um dos autores do roubo”, pontuou.
As considerações levaram à anulação da pena, que chegou a 6 anos e 4 meses de prisão em regime fechado. O rapaz, que é pai de uma bebê, foi solto e comemora com alívio.
“Fiquei muito feliz, pois agora estou trabalhando certinho, vendo minha filha. Vou poder ver os primeiros passos dela, ver os dentinhos dela nascer. Assim vai a vida. Graças a Deus eu sou registrado hoje e tenho minha família que me apoia muito”.
Falhas no reconhecimento
De acordo com o advogado Victor Silveira Garcia Ferreira, o drama começou em 2018. Em junho daquele ano, uma vítima de roubo registrou boletim de ocorrência na delegacia da cidade e, pouco tempo depois, foi chamada para fazer o reconhecimento dos suspeitos.
Ela teria visto imagens de câmeras de monitoramento que mostravam o rapaz e afirmou que ele era um dos criminosos. Porém, essa era a única evidência.
“Não existia nenhuma outra prova de que pudesse ser meu cliente. Eles iniciaram uma investigação só com base nesse reconhecimento fotográfico. Depois de um certo tempo, foi agendada a audiência e, na audiência, foi realizado novamente um reconhecimento. Dessa vez não foi fotográfico, mas um reconhecimento pessoal”, relembra a defesa.
“A lei prevê um procedimento que deve ser seguido pelo julgador para que esse reconhecimento aconteça de forma regular, para que não haja nenhuma possibilidade de uma pessoa inocente ser condenada por um crime que não cometeu. tem alguns requisitos que o código penal estabelece e que dão garantias mínimas para o acusado. A gente sabe que esse tipo de prova, do reconhecimento, é muito delicado, envolve falsas memórias”, destaca Ferreira.
Os pontos levantados pela defesa foram considerados pelo STJ. Dantas destaca que, conforme previsto pelo artigo 226 do Código de Processo Penal, quando houver necessidade de fazer o reconhecimento de pessoa, a vítima será convidada a descrever o suspeito. Em seguida, ele será colocado ao lado de pessoas semelhantes, sendo a vítima convidada a apontá-lo.
O texto diz que, inicialmente, essa prática era reconhecida como uma recomendação. No entanto, o colegiado passou a reconhecer a invalidade de qualquer reconhecimento formal que não siga estritamente o que determina a lei. Foi o que ocorreu neste caso. “O juiz, simplesmente, convidou o acusado a aparecer na frente da vítima, não pediu que ela fizesse nenhuma descrição, nenhuma outra pessoa foi colocada ao lado dele, e simplesmente perguntou à vítima se teria sido ele. a vítima, obviamente, disse que sim”.
O magistrado lembra que o reconhecimento do suspeito é parte importante na investigação, mas que deve ser acompanhada de outras provas. “Segundo estudos da psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a memória pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a reconstrução do fato”.
O jovem recorreu em segunda instância, mas a pena foi mantida. O caso chegou ao STJ que determinou a absolvição e soltura imediata. A decisão foi publicada no dia 1º de junho e o jovem deixou a prisão na última semana.
Posicionamentos
Questionado sobre a decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) informou que não se manifesta sobre questões jurisdicionais.
“Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito. Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos previstos na legislação vigente”.
Nossa reportagem também perguntou sobre o adolescente citado no processo, que levou o rapaz a responder por corrupção de menores. O TJSP informou apenas que o caso tramita em segredo de justiça. A Polícia Civil também foi procurada, mas ainda não deu retorno.