Técnica desenvolvida na USP pode reduzir fila de transplantes no Brasil

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Iniciativa foi apresentada no Reino Unido nesta semana, durante evento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de SP.

Uma iniciativa conduzida pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) abre caminho para a possibilidade de diminuir a fila de transplante de órgãos no Brasil.

A prática, conhecida como xenotransplante, foi apresentada durante a FAPESP Week London, evento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo que ocorreu nesta semana, no Reino Unido.

Vale destacar que a modalidade consiste no transplante de órgãos entre duas espécies diferentes. Nesse caso, seriam o porco (Sus scrofa domesticus) e o ser humano (Homo sapiens).

“Os órgãos dos suínos são muito semelhantes aos de humanos, mas seriam rejeitados se fossem transplantados hoje. A ideia é modificá-los para que se tornem compatíveis com o organismo humano”, explica Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências da USP (IB-USP) e pesquisadora responsável pelo estudo.

Parcerias

A coordenação científica é do IB-USP, no âmbito do Centro de Pesquisa do Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela Fapesp, vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico.

As outras instituições associadas são o Instituto de Estudos Avançados (IEA), da USP, e o Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (InCor). O projeto é uma parceria da farmacêutica EMS e FAPESP, no âmbito do Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE).

A ação tem coordenação do professor Silvano Raia, da Faculdade de Medicina da USP, o primeiro médico a realizar um transplante de fígado com doador cadáver na América Latina e o primeiro transplante com doador vivo no mundo.

Metodologia

Atualmente, porcos modificados para esse fim são criados em países como Alemanha e Estados Unidos, com resultados promissores de transplantes de órgãos em macacos. Segundo a geneticista Mayana Zatz, três genes que provocam a rejeição são bem conhecidos. Assim, desativando-os por meio de uma técnica de edição gênica, é possível fazer com que o sistema imunológico humano não rejeite os órgãos.

O soro do sangue dos animais será testado com o de pessoas que estão na fila de transplante de rim, de modo a verificar a presença de anticorpos que possam rejeitar os órgãos suínos na população brasileira.

As amostras integram a soroteca do Laboratório de Imunologia do InCor, dirigido pelo médico Jorge Kalil, professor da Faculdade de Medicina da USP e um dos responsáveis pelo projeto. Mais de mil amostras de soro de pacientes candidatos a transplante de rim que têm rejeição a qualquer rim humano compõem o acervo.

Simultaneamente, Jorge Kalil e a professora Maria Rita Passos-Bueno, do IB-USP e também pesquisadora do projeto, desenvolverão novos protocolos de acompanhamento de futuros pacientes transplantados, com o intuito de monitorar, no sangue, o surgimento de anticorpos que possam promover a rejeição.

O Brasil ocupa a segunda colocação em número absoluto de transplantes, atrás apenas dos Estados Unidos. No entanto, a fila de espera por órgãos ultrapassou 41 mil inscritos em 2016.

Procedimentos

O transplante de rim é o que apresenta a maior discrepância entre número de pacientes na fila de espera e procedimentos realizados: foram 5.592 transplantes para 24.914 inscritos. Em 2017, 1.716 pacientes morreram enquanto esperavam por um rim.

“Trata-se de desenvolver um produto de base biotecnológica nacional, cujo objetivo final será prover à população em fila de espera para transplantes uma alternativa terapêutica viável e definitiva, que pode encurtar o sofrimento do paciente e seus familiares”, revela a geneticista Mayana Zatz.

Hoje, mesmo transplantes entre humanos exigem que o transplantado tome medicamentos imunossupressores, alguns para o resto da vida, para o combate à rejeição. No caso dos que precisam de transplante de rim, há ainda um custo elevado em hemodiálise de quem espera por um novo órgão.

A fase inicial do projeto tem duração prevista de três anos e prevê compatibilizar aspectos éticos, religiosos e legais do xenotransplante, pela criação de uma disciplina sobre o assunto no Instituto de Estudos Avançados.

Fabricação de órgãos

Durante a palestra, Mayana Zatz apresentou os resultados mais recentes da criação de órgãos a partir de células-tronco. Fígado e artéria hepática de ratos foram criados usando células-tronco de um mesmo animal, como parte do trabalho de doutorado de Ernesto Goulart, além do pós-doutorado de Luiz Caires e de Luciano Abreu Brito, todos com bolsa da Fapesp.

Por meio de ácidos especiais, todas as células da aorta e do fígado de ratos foram removidas, restando somente um suporte formado por colágeno. Células-tronco de humanos foram colocadas nesses suportes e se reprogramaram em células hepáticas e de aorta, criando novos órgãos.

Futuramente, essa pode ser uma solução para pessoas que precisam de transplante de órgãos. Por serem feitos com células do próprio paciente, estes não estariam sujeitos a rejeição pelo organismo.

A pesquisadora também apresentou o projeto 80+, que sequenciou o genoma de 1.324 pessoas com mais de 60 anos para entender como os que permanecem saudáveis depois dos 80, ou mesmo depois dos 100 anos de idade, diferem dos demais e quais desses fatores podem ser aplicados para a população como um todo. Estima-se que existem cerca de 500 mil pessoas centenárias no mundo.

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