Menos invasiva que operação aberta, modalidade já é aplicada na Alemanha, EUA e China. Médicos dizem que método pode resolver fila no SUS para doenças como hérnia de disco.
A assistente de compras Fabíola Taís de França, de 39 anos, há quatro meses não convive com as dores nas costas que a incomodaram por dois anos. Com um corte milimétrico, alta no dia seguinte ao procedimento e uma recuperação de apenas uma semana, ela foi submetida no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HC-RP) a uma cirurgia endoscópica na coluna, modalidade pouco difundida no Brasil que a curou de uma hérnia de disco.
“O problema maior era que a hérnia estava pinçando o nervo ciático. Eu já estava com formigamento no pé, acordando de madrugada com dor, a dor era 24 horas. Sumiu, desapareceu”, relata.
O procedimento que ela recebeu sem pagar nada é uma técnica já realizada em países como China, Estados Unidos e Alemanha, além de algumas clínicas particulares em grandes centros brasileiros, que, em vez de bisturis e pinças, usa alta tecnologia com câmera e instrumentos de proporção reduzida.
A modalidade, segundo os médicos, poderia mudar a forma como se operam pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sobretudo por ser menos invasiva e com menos complicações que a cirurgia aberta convencional, que implica meses de recuperação no pós-operatório.
No interior de São Paulo, a nova técnica chega aos primeiros pacientes ainda de forma restrita por meio de um curso de extensão inédito no Brasil oferecido pela Faculdade de Medicina (FMRP) em parceria com o DWS Spine Research Center, que tem capacitado profissionais brasileiros e do exterior.
Na primeira turma, 34 neurologistas e ortopedistas se formaram no início deste ano, acompanhando na prática os resultados da tecnologia. Para o próximo ciclo, mais 40 devem estar aptos a realizar o procedimento.
A ideia é que esses profissionais difundam o conhecimento, o levem para suas rotinas e o apliquem não só em pacientes com hérnia de disco – que representam em torno de 85% dos que têm problemas na coluna no país, segundo estimativas do setor -, mas também para problemas como estreitamento de canal, pinçamento de nervo e compressão de medula.
A previsão é de que isso chegue de maneira mais rápida por meios particulares e convênios médicos, mas a expectativa é de que um dia também seja praticado no SUS, segundo Helton Defino, professor do departamento de ortopedia da universidade e coordenador do curso de extensão.
Para tanto, a cirurgia primeiro precisaria ser reconhecida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
“Não tenho dúvida de que daqui a cem anos essa modalidade de cirurgia vai predominar. A gente observa isso que aconteceu em pouco tempo na cirurgia do joelho. (…) Hoje fazer uma cirurgia de menisco sem a artroscopia é totalmente inaceitável”, afirma.
Em alguns casos isolados, isso já tem se tornado realidade, por meio de parcerias isoladas, segundo João Paulo Bergamaschi, um dos fundadores e professores convidados do curso de extensão na USP e diretor do DWS.
“Tem gente de Belém [PA], do Mato Grosso e de Goiás que atuam nesses dois tipos de públicos. Eles conseguiram firmar algumas parcerias com algumas empresas até mesmo com hospital pra poder adquirir o material necessário e isso ser utilizado para os pacientes do SUS inclusive.”
Cirurgia endoscópica
No método tradicional, o paciente é posicionado de bruços na mesa cirúrgica, onde recebe uma anestesia geral. A depender da doença a ser tratada, o corte na coluna pode variar de 5 a 25 centímetros e, após o problema ser solucionado, o procedimento ainda demanda um trabalho de fixação em função do descolamento da musculatura dos ossos.
“Dependendo do quanto de osso a gente tira para resolver o problema do paciente, a gente gera uma instabilidade nesse local. Nessas situações precisa-se obrigatoriamente fazer essa fixação, senão o paciente terá outros problemas no futuro. Depois de resolvido o problema, a musculatura e o tecido subcutâneo na pele são suturados através de pontos simples”, explica Bergamaschi.
Já na cirurgia endoscópica, o paciente recebe apenas uma anestesia local e fica sob efeito de uma sedação leve, o que o permite acompanhar a cirurgia e dar feedbacks imediatos sobre os sintomas.
“Se ele tem uma hérnia de disco e eu a tirei, ele consegue me afirmar que não tem mais nenhum tipo de dor. (…) É um procedimento que a grande maioria dos pacientes faria novamente sem problema algum”, afirma Bergamaschi.
O corte feito para introduzir a câmera com os instrumentos automatizados tem em torno de 0,5 centímetro e o procedimento dura de 15 minutos a duas horas.
“Tem um dilatador, uma canola de trabalho por onde a câmera passa e todo o procedimento é feito pela televisão. Por dentro dessa câmera a gente consegue manipular alguns instrumentos, obviamente limitados, que nos permitem resolver o problema do paciente que está causando a dor, seja ele um pinçamento de nervo, uma compressão de medula, uma hérnia de disco, uma estenose, um estreitamento de canal.”
Outra vantagem está no índice de complicações após a cirurgia, de 5% contra 25% da convencional.
“Na cirurgia aberta geralmente é superior. Um em cada quatro pacientes tem algum problema em algum momento da recuperação, uma dor mais persistente, uma recidiva do pinçamento, um problema na cicatrização, alguma coisa nesse sentido. Se a gente for comparar as complicações, sem dúvida alguma as da técnica endoscópica tendem a ser menos graves e mais fáceis de ser solucionadas que na cirurgia aberta convencional.”
Em termos financeiros, o método pode ser mais caro se analisado isoladamente, mas representa economia de custos quando avaliado todo o atendimento ao paciente, defendem os especialistas.
Ainda importada de países como Alemanha e EUA, a tecnologia necessária para a cirurgia endoscópica demanda um investimento inicial que varia de R$ 80 mil a R$ 100 mil e um custo médio de R$ 15 mil a R$ 25 mil por procedimento realizado. Uma cirurgia convencional aberta pode custar de R$ 10 mil a R$ 100 mil dependendo da extensão do problema, segundo Bergamaschi.
Mesmo quando é mais custoso, o método mais novo reduz drasticamente o tempo de internação – de meses para uma semana -, o que repercute em menos gastos com a permanência no hospital e para o INSS, com o retorno mais rápido dos pacientes ao trabalho.
Em países da Europa, EUA, além do Chile e China, essa cirurgia já uma realidade, segundo os médicos.
“Se a gente pegar um problema mais simples a gente gastaria de R$ 10 mil a R$ 15 mil em uma cirurgia aberta. Mesmo assim, o custo total da recuperação desse paciente vai ser superior ao do paciente submetido a uma cirurgia endoscópica que a cirurgia em si”, diz Bergamaschi.
Parceria
A técnica chegou ao campus da USP de Ribeirão Preto depois de uma visita do médico chileno Álvaro Downling, referência internacional na cirurgia endoscópica de coluna, convidado para uma curso rápido sobre o tema.
Foi durante essa visita que surgiu a ideia de estabelecer uma parceria entre universidade e iniciativa privada para oferecer uma formação mais longa e consistente sobre o assunto.
“Isso representa um grande avanço, você faz um procedimento com uma menor morbidade. Só que pra você executar isso precisa de equipamentos, é uma cirurgia que você não faz com bisturi e pinça como em uma cirurgia aberta, você precisa de equipamentos sofisticados com ótica, com toda uma aparelhagem para lhe permitir realizar esse procedimento. Em função disso, ela exige uma curva de aprendizagem, um treinamento muito específico”, afirma Defino.
Na parceria firmada, a clínica fornece o know how da tecnologia, com professores convidados, entre eles Downling e Bergamaschi, enquanto a USP coloca à disposição seu corpo docente em áreas como anestesia, radiologia e anatomia, além de laboratórios, salas, centro cirúrgico e pacientes encaminhados pelo HC interessados em se submeter à técnica.
As cirurgias fazem parte do conteúdo do curso, que prevê 12 encontros mensais aos fins de semana.
“Você está realizando um procedimento inovador, que é de menor morbidade, em uma popular do SUS dentro do hospital, mas sem o financiamento do SUS, é o curso que financia essa cirurgia. Ao mesmo tempo você está realizando uma atividade de ensino, está introduzindo uma nova técnica a custo zero para a instituição, que em contrapartida te dá toda a estrutura pra realizar isso”, explica Defino.