A expectativa de uma primeira eleição em que a Lei Federal 14.192/21 – que trata da violência política de gênero – começará a ser aplicada traz um misto de ansiedade e esperança, com temor.
Por Maíra Recchia – presidente do Observatório Eleitoral da OABSP
Embora os números de vítimas neste recorte sempre tenham sido alarmantes, o Brasil demorou para ter sua primeira legislação específica sobre a matéria, ficando atrás de países como México, Peru e Bolívia. Um atraso que nos trouxe à gravíssima situação em que nos encontramos hoje.
Dados do instituto MonitorA (InternetLab + AzMina), do Instituto Marielle Franco e da plataforma de denúncias TRETAqui.org demonstram que nas últimas eleições (2020)[1] as candidaturas femininas, as candidaturas raciais e LGBT+ continuavam na liderança como alvo preferido entre os agressores praticantes destas violências. Que por sua vez se consubstanciavam em silenciamentos, ameaças, xingamentos e até mesmo agressões físicas.
Este cenário que num primeiro momento pode nos remeter à corrida eleitoral, claramente se perpetua dentre as candidaturas eleitas, e na ocupação destes espaços de poder que se colocam neste recorte, tido como “minoritário”.
A média de 40 xingamentos por dia nos perfis femininos na disputa eleitoreira, se soma à pouca representatividade nos espaços de poder. E se mantém na inviabilização de mulheres nas mesas de tomadas de decisão
Mulheres como Manuela D`Avila e Erika Hilton sentiram na pele a atrocidade da violência política. E claramente tiveram maiores obstáculos na disputa eleitoral, minadas que foram pelos recorrentes atos de ataques verbais, emocionais, misóginos e transfóbicos, que mantêm o status quo de um grupo antidemocrático dominante, e que não só as prejudicou, como contribuiu para o grave desequilíbrio no pleito.
Em anos anteriores Dilma Rousseff, Maria do Rosario, Marcia Tiburi, Erika Malunguinho, Marta Suplicy, Joice Hasselman, Tabata Amaral, Carmem Silva e Cris Monteiro também sofreram pelas fúrias dos algozes. Que estavam determinados em minar a ocupação feminina e racial nos espaços de poder. Independentemente de afinidade ideológica ou partidária, o alvo sempre teve gênero.
Não fossem suficientes as agressões verbais, a chuva de fake news injuriosas, indecorosas e caluniosas, praticadas comumente contra todas mulheres que se posicionam e fazem a disputa política, tivemos ainda um lamentável episódio que merece registro: a deputada estadual paulista Isa Penna sofreu evidente importunação sexual dentro de sua própria Casa Legislativa. E atualmente continua recebendo diversas ameaças de estupro e morte, que lhes chegam através de seu e-mail institucional.
Finalmente, não custa lembrar que até no Senado Federal, em tempos muitíssimo recentes, mulheres simplesmente não integraram a mais importante CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos últimos anos, a da COVID 19, que tantos descalabros desvendou, com riqueza de documentos e depoimentos, a respeito da conduta do governo federal no enfrentamento da pandemia.
Se mulheres como as senadoras Eliziane Gama e Simone Tebet estiveram entre as mais aguerridas, combativas e incisivas questionadoras dos que depuseram na CPI, foi porque tiveram coragem, paciência, perseverança, resiliência e dedicação, mesmo sob a alcunha de “descontroladas” para agregarem-se aos trabalhos, apesar de nem como suplentes terem sido nomeadas.
Os dramas vivenciados por estas que participam da política, mesmo chocantes e assustadores, no hostil ambiente político enfrentado pelas mulheres no Brasil, representam apenas pequenos recortes de um cotidiano permeado pela violência política de gênero, manifestada em condutas e práticas rotineiras, em muitas casas legislativas. E, antes disso, em muitas siglas partidárias.
A boa notícia para a sociedade e péssima para os agressores é que agora, a nova lei que cito no início deste artigo estabelece regras para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, tanto nos espaços políticos quanto nas funções públicas.
Mais do que isso, em seu artigo 2º, o texto garante a participação feminina na política, sendo vedada a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça no acesso às instâncias de representação política e no exercício de funções públicas.
Se antes desde os diretórios partidários de inúmeras localidades e em diferentes esferas, as mulheres eram frequentemente desestimuladas – ou mesmo impedidas – de ocupar posições de destaque e de poder de decisão, e se atualmente temos poucas mulheres nas presidências das comissões temáticas das casas legislativas, talvez este já seja um ponto de reflexão sugestivo de violência política de gênero – com base na nova lei.
O mesmo se dá com reiteradas interrupções em seus discursos, com seus projetos de lei com tramitação propositalmente truncada ou mesmo reprovados, sem embasamento legal – especialmente os que tratam de direitos das mulheres.
Num ano eleitoral, pelo exposto aqui e por tudo o que acontece diariamente na política nacional, o prognóstico precisa ser positivo, sob a égide da aplicação da lei, que deve ser intrinsicamente atrelada aos fins por ela pretendidos.
Cabe às autoridades constituídas, às lideranças dentro e fora da política, verdadeiramente comprometidas com a igualdade de gêneros e raça, e também às Instituições e sociedade, redobrarmos a vigilância e a coragem para prevenir, denunciar e erradicar toda e qualquer forma de violência política de gênero.
Desde a fase de formação de chapas e escolha de candidaturas, passando pela estruturação, financiamento e execução das campanhas. E, depois, estendendo-se ao exercício dos mandatos femininos e raciais, imprescindíveis que são para uma política igualitária, justa e que de fato represente todos os brasileiros e brasileiras em uma verdadeira democracia, plural, diversa e fraterna, privilegiando-se a regularidade e equilíbrio do pleito.
[1] https://azmina.com.br/wp-content/uploads/2021/03/5P_Relatorio_MonitorA-PT.pdf
